Título: Sem Doha, Mercosul e UE vão acelerar negociações
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2006, Brasil, p. A3

Depois de uma paralisação de dois anos, os países do Mercosul e da União Européia decidiram ontem acelerar as negociações para a criação de uma área de livre comércio entre os dois blocos e não deixá-la mais subordinada à Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), suspensa em julho desse ano.

"Houve uma retomada da negociação", disse o diretor do departamento de Relacões Internacionais do Itamaraty, Régis Arslanian. "Dá para dizer que houve uma retomada, porque desde setembro de 2004 não chegávamos a um acordo sobre como conduzir essa negociação", concordou João Pacheco, embaixador da União Européia no Brasil, em entrevista ao Valor.

Segundo Mário Mugnaini, secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), os dois lados decidiram colocar a negociação na velocidade normal. "A Rodada Doha atrapalhava bastante. Mas não se pode condicionar tudo a Doha, porque se torna um ciclo dependente", disse Mugnaini, representante do Ministério do Desenvolvimento no encontro.

Os países do Mercosul e da União Européia estão discutindo a formação de uma área de livre comércio entre os dois blocos desde 1999. As negociações quase foram concluídas em 2004, mas acabaram em impasse. Os europeus não melhoraram sua oferta agrícola e os sul-americanos também não avançaram na área industrial e de serviços. Na época, os dois lados priorizaram o âmbito multilateral e focaram esforços na Rodada Doha.

Sul-americanos e europeus determinaram ontem que a base para a retomada das negociações será as ofertas apresentadas em setembro de 2004. Para não reduzir a ambição das negociações, ao invés de trocar ofertas, será discutido um "pacote", que incluirá agricultura, indústria, serviços e investimentos.

"Decidimos que vamos costurar pacotes para satisfazer ambos os lados. E isso é muito importante", disse Pacheco, que integrou a delegação européia chefiada por Karl Falkenberg. Antes de assumir a embaixada no Brasil, Pacheco era o principal negociador agrícola da UE. Com esse procedimento de negociar por "pacote", os países querem evitar que ofertas apresentadas oralmente sejam pioradas quando entregues por escrito.

No próximo encontro das delegações, que deve ocorrer em Bruxelas em breve, começará a troca de "números". O Mercosul espera que a UE melhore suas propostas na área agrícola. Já os europeus querem mais acesso nos mercados de serviços, investimento e industrial, especialmente automotivo.

Os negociadores ainda não marcaram a data da nova reunião. Arslanian não descarta que o encontro ocorra ainda em 2006, mas as festas de fim de ano podem atrapalhar. Segundo Mugnaini, a reunião deve ocorrer até fevereiro. Pacheco afirmou que a delegação européia quer marcar a reunião "o mais cedo possível", porque é necessário "concentrar os avanços".

A retomada das negociações com a União Européia é importante para o governo do presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva, que é cobrado pela oposição e por empresários a fechar acordos bilaterais com países ricos.

Para conseguir concluir o acerto com os europeus, o Brasil terá que convencer a Argentina, principal sócio do Mercosul. "Não se pode dizer que chegamos a destravar as negociações em algum tema. Mas às vezes é tão complexo, que seguir conversando é um mérito", afirmou o chefe da delegação argentina, embaixador Alfredo Chiaradia, ao deixar a reunião, em um tom mais pessimista que seus colegas brasileiros e europeus.

Em recente encontro com empresários na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, afirmou que a culpa pelo impasse das negociações birregionais era do Brasil, "que não conseguiu convencer a Argentina a fazer uma oferta no setor automotivo". Em setembro de 2004, o Mercosul foi criticado pelos europeus por piorar sua oferta nessa área. A proposta atualmente sobre a mesa prevê a liberalização do comércio de veículos em 18 anos.

"A Argentina não está preparada para uma nova oferta automotiva", disse Chiaradia categoricamente. Para o embaixador, a troca não é justa, porque os europeus querem acesso irrestrito no setor automotivo, mas oferecem apenas um pequeno percentual do seu consumo em cotas agrícolas.

Nas reuniões desta segunda e terça-feira, os negociadores não trataram do setor automotivo ou das cotas agrícolas, que serão temas do próximo encontro. Mas, segundo fontes do setor privado, o governo brasileiro já discutiu com as montadoras instaladas no país uma nova proposta automotiva.

Segundo negociadores presentes às reuniões, as discussões começaram lentas na segunda-feira, mas avançaram ontem. Além dos procedimentos da negociação, foram tratados temas periféricos como produtos agrícolas processados e regra de origem dos produtos. Também participaram representantes do Uruguai, Paraguai e Venezuela, novo sócio do Mercosul.