Título: Volume de crédito ignora alta da Selic
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2004, Finanças, p. C1

O volume de empréstimos na economia mantém o ritmo acelerado, ignorando as sucessivas altas das taxas de juros promovidas pelo Banco Central, que, teoricamente, deveriam contê-lo. Uma análise mais aprofundada dos dados do BC sobre crédito bancário para pessoas físicas, referentes a novembro, feita pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, alerta para uma expansão considerada "surpreendente" nos últimos 12 meses. Segundo o trabalho, coordenado pelo economista chefe do banco, Octavio de Barros, o crédito pessoal cresceu 41,1%, financiamento de bens (excluindo automóveis) 38,1%, cartão de crédito 28,3% e o financiamento de veículos, 26%. O banco destaca, na área de crédito para empresas, a aquisição de bens, que avançou nada menos que 69,9%. "O crescimento das operações de crédito às pessoas físicas, independentemente dos fatores sazonais, mostra-se pouco sensível ao aperto monetário iniciado em setembro deste ano", constata Barros. Em qualquer país, a elevação dos juros repercute em primeiro lugar na oferta e demanda por crédito e, em cadeia, "segura" a atividade econômica por levar pessoas e empresas a optar não pelo gasto, mas pela poupança. No Brasil isto não está acontecendo. Adriano Pitoli, economista da Tendências Consultoria, acha que parte da explicação está em "mudanças estruturais no mercado de crédito" que ampliaram a oferta. Pitoli lista três "novidades" que estão mudando o crédito no país: os empréstimos com desconto em folha, que só este ano cresceram 86%, impulsionados por uma regulamentação recente (de 2003); a onda de associações entre bancos e redes de varejo, que influi no volume de financiamento para aquisição de bens; e a disposição dos bancos em ampliar o alcance das financeiras e atingir o público das classes C e D. Foto: Leo Pinheiro/Valor

Freitas Gomes, da CNC: "A liquidez está vazando pelo crédito"

Para o economista da Tendências, na firme intenção de ampliar a participação no mercado de crédito, os bancos estariam até cortando um pouco dos elevados "spreads" (margem de ganho) e, dessa forma, amortecendo as elevações da taxa Selic. Em novembro, o spread praticado nas linhas para pessoas físicas diminuiu de 45,9% para 45,6%. "A liquidez está vazando pelo crédito", explica Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Para ele, não há apenas um excesso de crédito imune às altas de juros, mas há também hoje um alongamento de prazos que acaba estimulando pessoas físicas e jurídicas a tomarem cada vez mais empréstimos, rolando dívidas que vencem com a contratação de novos débitos. Esse é o lado positivo da atitude firme do BC com a inflação, diz Gomes: "Pela sua credibilidade, o regime de metas de inflação conseguiu um tento excepcional que foi alongar o crédito". Ele acredita que as sucessivas altas de juros vão começar a dar resultado no 1º trimestre de 2005. Para Gomes e Pitoli, a expansão tão forte do crédito justifica a preocupação do BC em elevar as taxas de juros. "Eu concordo com o BC quando diz que, se não houvesse aumento da Selic, a expansão do crédito teria sido muito maior" , afirma Pitoli. No boletim do Bradesco, Octavio de Barros revela idêntica preocupação: "É preciso ficar atento a eventuais pressões de demanda decorrentes de um crescimento muito veloz do crédito bancário no país".