Título: Portabilidade gera racha entre bancos
Autor: Balarin, Raquel e Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2006, Finanças, p. C1

A possibilidade de liquidação antecipada de empréstimos consignados, com transferência do crédito para outra instituição (conhecida como portabilidade), está provocando um racha entre bancos. De um lado estão as instituições que atuam há mais tempo nesse segmento, que resistem à portabilidade. De outro, instituições de varejo e bancos menores que querem ganhar participação nesse mercado. O Banco Central (BC) tem acompanhado a discussão à distância, mas prefere não interferir, segundo apurou o Valor.

A resistência à portabilidade tem sido liderada pelo que o mercado chama de "grupo dos cinco", formado por BMG, Cruzeiro do Sul, Cacique, BMC e Pine. Em conjunto, essas instituições estão propondo a criação da Comissão de Liquidação Antecipada (CLA), uma taxa que teria seu valor reduzido de acordo com o prazo decorrido do contrato. Para mudar seu consignado de um banco para outro, o tomador do empréstimo teria de pagar a CLA. Concorrentes reclamam que os valores envolvidos, se acatados, tornariam a transferência do crédito proibitiva.

Um executivo de banco concorrente informou que dois fatores têm levado o "grupo dos cinco" a dificultar a portabilidade. Primeiro, a comissão paga ao promotor de venda, de até 20% do valor do empréstimo. A CLA funcionaria como uma espécie de ressarcimento da comissão. Segundo, as várias cessões de crédito já realizadas por essas instituições para terceiros. Em muitos casos, o banco tem de honrar a rentabilidade prevista dos consignados cedidos.

Com o racha entre os bancos, a portabilidade do crédito consignado não deslancha, apesar da permissão do BC e da Fazenda. Mesmo os novos contratos não prevêem as tarifas para quitação antecipada. No consignado para aposentados, o problema é que o INSS proíbe os bancos de cobrar qualquer tarifa dos clientes na concessão do crédito. Em outros mercados, como o de funcionários públicos, as instituições informam que não fixam a tarifa porque falta regulamentação do BC.

Os bancos com tradição no consignado estão fazendo de tudo para manter a carteira e evitar o ataque da concorrência. Chegam a procurar os clientes com os quais já têm empréstimo para oferecer refinanciamento a taxas mais baixas - antes que a portabilidade entre em vigor.

Segundo o diretor da Associação Brasileira dos Bancos Comerciais (ABBC), Renato Oliva, dos 500 mil contratos gerados para aposentados em setembro, 55% corresponderam a refinanciamentos para redução de taxa de juros. "Acho que a demanda pelo refinanciamento será pequena porque muita gente já trocou a dívida cara", diz. Segundo o vice-presidente do Banco BMG, Márcio Alaor, 30% das novas operações são geradas por refinanciamento. No caso de aposentados, o teto de juros fixado a partir de maio (2,9%, reduzidos para 2,78% hoje) fez com que muitos procurassem os bancos para reduzir taxa.

Embora ainda não esteja em vigor, a portabilidade acirrou a concorrência. Alguns oferecem juros abaixo dos limites de tabelamento- no Rio, o Santander oferece 2,39% ao mês para funcionários da prefeitura (o teto é de 2,7%). Para funcionários públicos de altos salários, como os do Legislativo em Brasília (Senado e Câmara), a disputa é maior e já há casos de "portabilidade informal": um banco concede crédito ao cliente para que o primeiro consignado seja quitado. Só depois da retirada da primeira averbação a nova é incluída na folha do servidor. Corre-se o risco para conquistar o cliente.

A Febraban e a ABBC estão pedindo ao Conselho Nacional de Previdência Social que permita a cobrança de taxas dos segurados do INSS - o que permitiria incluir a cláusula de quitação antecipada nos novos créditos. As duas entidades também estão discutindo a fórmula de cálculo da tarifa por liquidação antecipada permitida pela resolução 3401 do Banco Central. O BC informou que a negociação das normas com os bancos está sendo feita pela Fazenda.

Oliva, da ABBC, afirma que além das dúvidas sobre a tarifa, há problemas operacionais para transferir um crédito. Falta um tipo de mensagem específica dentro do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). O Valor apurou que o "grupo dos cinco" tem devolvido as transferências eletrônicas feitas por bancos para liquidar antecipadamente créditos consignados.

Outro problema, diz Oliva, é a lentidão no processamento de folhas. O descredenciamento do banco também não é automático. "Por falta de capacidade nos computadores, o INSS não processa averbações entre os dias 10 e 25, quando roda a folha dos 24 milhões de aposentados."

Andréa Coelho, do BMC, diz que até agora a portabilidade "não mudou nada" no consignado.

Um dos grandes argumentos dos bancos médios contra a portabilidade é o alto custo inicial da concessão de crédito, que não seria reembolsado na transferência. Os correspondentes bancários recebem as comissões à vista. Até agora, os bancos não negociaram o pagamento parcelado de comissões temendo perder negócios para concorrentes. Alguns até defendem o valor dizendo que custa caro atingir o cliente, especialmente os que vivem em zonas rurais.

Representantes de instituições médias dizem que terão prejuízos com a portabilidade- mas não estão fazendo nada para reduzir os riscos de perdas nas novas operações. Questionado, Oliva, da ABBC, afirma que a entidade continua defendendo a proibição da portabilidade para o "estoque" de crédito existente antes da resolução 3401. Mas o risco de liquidação antecipada precisa ser levado em conta no preço atribuído às carteiras cedidas a grandes bancos ou investidores, no caso da emissão de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC).