Título: Novas responsabilidades do transportador
Autor: Braun, João Paulo Alves Justo
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2006, Legislação & Tributos, p. E2

O artigo 24 da Medida Provisória nº 320, de 24 de agosto de 2006, imputou ao transportador internacional de cargas uma importante e inesperada responsabilidade. O referido artigo, em seu caput, impõe ao importador a obrigação de devolver ao exterior ou de destruir a mercadoria estrangeira cuja importação não seja autorizada pela legislação de proteção ao meio ambiente, saúde, segurança pública e controles sanitários, fitossanitários e zoossanitários. Todavia, dispõe o parágrafo 1º que essa responsabilidade será do transportador se a mercadoria estiver acobertada por conhecimento de carga à ordem ou consignada a pessoa inexistente ou com domicílio desconhecido no país.

A norma altera consideravelmente a sistemática vigente. Até a edição desta medida provisória, a destruição da carga era incumbência da Receita Federal, nos termos do parágrafo único do artigo 716 do regulamento aduaneiro. O artigo 75 da Instrução Normativa nº 206, de 2002, da Secretaria da Receita Federal, já previa a possibilidade de devolução de mercadoria ao exterior. Contudo, pelo seu teor, constatava-se que a norma se dirigia exclusivamente ao importador, conferindo-lhe a faculdade - e não a obrigação - de devolver a carga ao exterior, impondo-lhe ainda tantas condições para tal que esta se tornava de difícil aplicação. Registre-se que a norma foi recém revogada pela Instrução Normativa nº 680, de 2006, que tratou do tema em seu artigo 65, mas que curiosamente manteve os mesmos entraves à sua efetiva aplicação.

Os demais parágrafos da norma também merecem atenção. O parágrafo 2º deixou para o órgão responsável pela legislação específica a definição da providência a ser adotada na espécie e o prazo para seu cumprimento. O parágrafo 3º, por sua vez, estabelece multa equivalente a dez vezes o valor do frete para a hipótese de não serem adotadas as providências determinadas pela autoridade. Neste caso, a responsabilidade pelo cumprimento das exigências passa a ser do depositário, que poderá se ressarcir pelas despesas incorridas diretamente do importador ou do transportador, conforme seja o caso, nos termos do parágrafo 4º. Finalmente, o parágrafo 5º atribui ao representante legal do transportador no país a responsabilidade pelo pagamento da multa, enquanto o parágrafo 6º prevê sanções ao depositário que não cumprir as exigências previstas neste artigo.

Estas são, em resumo, as principais alterações promovidas pelo artigo 24 da Medida Provisória nº 320, que aumentaram significativamente a responsabilidade do transportador internacional. A nova lei deverá gerar mudanças no modelo de negócios reinante no segmento, em especial no transporte marítimo, que se caracteriza por sua agilidade e informalidade.

A emissão de conhecimento de carga à ordem, por exemplo, poderá ser negada pelo transportador se houver dúvida acerca do tratamento dado pela legislação pátria à mercadoria em questão. Já na hipótese de haver importador indicado no conhecimento de carga, o agente do transportador no Brasil deverá realizar uma verdadeira investigação prévia, a fim de apurar a efetiva existência e a correta localização do consignatário da carga.

-------------------------------------------------------------------------------- A MP nº 320 depende de regulamentação, o que não foi feito de forma adequada pela Instrução Normativa nº 680 --------------------------------------------------------------------------------

A exposição de motivos para a edição da Medida Provisória nº 320 indica que a regra almeja eliminar as despesas da aduana com a armazenagem e a destruição de mercadorias importadas em desacordo com as normas vigentes, além de possibilitar a liberação dos contêineres que hoje estão sendo ocupados para armazenar essas mercadorias, problema que atinge terminais e armadores de navios.

Os motivos que levaram à inclusão deste artigo na medida provisória são pertinentes. No entanto, muitos aspectos, inclusive quanto aos termos legais empregados, ainda devem ser discutidos e observados antes que a medida provisória seja convertida em lei. Além de deixar sem solução o notório problema das cargas abandonadas, a norma suscita muitas dúvidas, dependendo, portanto, de uma expressa regulamentação, o que, ao contrário do que sustenta a Receita Federal, não foi feito de forma adequada pela Instrução Normativa nº 680.

Mantida a atual redação, por mais que o transportador adote as cautelas cabíveis, nem sempre ele poderá se resguardar totalmente. Infelizmente, é sabido que o número de empresas no Brasil que fecham da noite para o dia é enorme, principalmente na área de importação, onde empresas de fachada são comuns. Localizar e identificar o importador, em especial após a constatação de uma eventual proibição quanto à mercadoria, pode ser uma tarefa árdua.

Outro fator prejudicial quanto à prevenção de responsabilidades diz respeito à legislação ambiental e correlatas, constantemente questionadas judicialmente, o que pode gerar confusões. Um caso emblemático é o dos pneus usados, cuja importação é proibida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas que ingressam no país por meio de liminar.

Certamente que, além das questões aduaneiras, tais situações devem gerar conseqüências contratuais e financeiras para todas as partes envolvidas no transporte. Os departamentos jurídico e comercial dos transportadores deverão estar atentos, trabalhando em conjunto para adequar seus procedimentos e estratégias à nova legislação, no sentido de evitar incidentes e prevenir responsabilidades.

João Paulo Alves Justo Braun é advogado especializado em direito marítimo e sócio do escritório Reis, Braun e Regueira Advogados Associados

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