Título: Revisão do índice de produtividade deve voltar à cena este ano
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2006, Agronegócios, p. B14

Tratada como um tabu durante o período eleitoral por seu elevado teor de controvérsia, a revisão dos índices de produtividade usados na desapropriação de terras para fins de reforma agrária deve voltar à cena ainda neste ano.

"É preciso resolver este assunto antes do início do segundo mandato. Não é razoável que há 35 anos não temos uma revisão", diz ao Valor o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. "A revisão dos índices é pura questão política. Vai ser pela percepção do presidente. [A nova proposta] é absolutamente confortável".

A proposta, que está na mesa do presidente Lula desde fevereiro, eleva os índices exigidos, dobrando-os em alguns casos. Os novos índices valeriam para 99 mil propriedades com extensão superior a 15 módulos fiscais (entre 20 e 90 hectares), que representam apenas 2% do total das fazendas, mas significam 52% da área total. Lideranças ruralistas são radicalmente contra as alterações, enquanto os movimentos sociais exigem a revisão.

Em sua análise, Cassel avança ainda mais ao propor um sistema "automático" de revisão. "Não precisa virar uma novela. Tem que ser automático, com fórmula matemática", afirma. Ele considera superada a "necessidade de composição do tabuleiro político", o que confere mais liberdade ao governo para mexer nos índices neste momento.

Filiado ao PT gaúcho, o ministro usa o Estado natal para pregar a urgência de se abrir o debate para outro tema explosivo no setor: a monocultura, sobretudo da soja. "O Rio Grande tem que discutir isso. Teve sete secas em dez anos. E vamos insistir na monocultura?", questiona. Cassel propõe utilizar o crédito como instrumento de controle da produção. "Temos que controlar via crédito, com metas de produção, o que e onde produzir. Temos que enfrentar o tema da monocultura", defende ele.

Sem meias-palavras, o ministro reforça a divisão entre agronegócio e agricultura familiar, em confronto aberto no governo desde 2003. "A produção do agronegócio de exportação é da época da necessidade de geração de divisas. A agricultura familiar é quem produz alimentos. Temos que escolher se queremos um campo com muitas máquinas e sem gente ou um campo com muita gente", analisa. De acordo com ele, o tema também enseja a discussão sobre a ocupação do território. "Queremos plantar soja na Amazônia? Vamos continuar a importar milho?"

Cassel, cuja trajetória política segue ligada ao ex-chefe Miguel Rossetto, descarta uma eventual fusão de atividades com o Ministério da Agricultura. "O tema dos dois ministérios é algo superado", afirma. Ele avalia haver um novo ciclo de "exigências" ligado ao campo para o segundo mandato do presidente Lula. "Tem um ciclo se fechando. Eram sinais de que não íamos excluir ninguém, de coisas que tinham de ser feitas e de seus símbolos", avalia, em referência ao programa Fome Zero, às metas de assentamentos pela reforma agrária e à nomeação de Roberto Rodrigues para o Ministério. "Agora, ampliar o acesso à terra é um tema caro ao governo pela sua carga simbólica".

O ministro aposta que a reforma de Lula deve ser concentrada no fortalecimento do setor por meio de crédito e planejamento. "Talvez precise de um mutirão, com um hiperinvestimento, para resolver com um tranco a demanda e zerar acampamentos", avalia. Estima-se que entre 60 mil e 80 mil famílias estejam acampadas à espera de terra.

Segundo ele, as mudanças feitas no Incra ajudarão um novo modelo de reforma agrária de qualidade. "Agora, podemos assentar 120 mil famílias por ano", diz. Ele afirma que 1.830 novos servidores foram contratados desde 2003, o que elevou o quadro da autarquia a 4,5 mil funcionários. "O Incra tinha uma história de não fazer", reclama. E defende a política agrária de Lula: "Nunca um governo assentou tanta gente. Foram 321 mil famílias até agora em 25 milhões de hectares. Botamos gente em cima, mas temos que dar um salto muito grande na qualidade dos assentamentos". Cassel diz que o orçamento para obtenção de terras subiu de R$ 427 milhões para R$ 1,6 bilhão em quatro anos.