Título: Nós e o mundo
Autor: Szajman, Abram
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2006, Opinião, p. A10

Na década de 1970, quando o Brasil desfrutava do chamado "milagre econômico" - um crescimento acelerado, impulsionado por um projeto de Estado e pela poupança externa, que permitiu a realização de grandes projetos de infra-estrutura -, a China ainda engatinhava em seu caminho para tornar-se a potência que é hoje.

O PIB deste grande país asiático era de apenas US$ 160 bilhões na época e suas exportações mal superavam a marca dos US$ 6 bilhões. O PIB brasileiro, ao contrário, tinha atingido US$ 334 bilhões e as exportações do Brasil, de quase US$ 12 bilhões, representavam o dobro da exportação chinesa.

Em menos de 30 anos a situação se inverteu. Com ganhos de exportação somados ao impressionante volume de investimentos externos diretos, a China conseguiu acumular a maior posição individual de reservas em divisas do mundo.

Uma reviravolta ainda mais impressionante se consideramos as seguintes peculiaridades chinesas: os focos de instabilidade decorrentes de suas 53 etnias, com diferentes idiomas e culturas; a diáspora de mais de 70 milhões de chineses étnicos espalhados por boa parte da Ásia; as intempéries como secas, enchentes e tufões que periodicamente assolam parte de seu imenso território, que tem apenas 1/3 de terras agricultáveis.

Esses desafios levaram as autoridades chinesas a empreender, desde a década de 80, a retomada de um processo que visa resgatar a importância que a China tinha no mundo até o século XVII. Planejaram em várias frentes, para garantir o fornecimento de petróleo oriundo da África, por exemplo, ou para fomentar, como investimento de longo prazo, mercados para suas manufaturas. Hoje as empresas e investimentos da China avançam na busca de mercados e recursos naturais nas Américas, África e na Europa do Leste.

Já o Brasil, com características únicas como população culturalmente homogênea e condições territoriais, geográficas e climáticas excepcionalmente favoráveis, carece de um modelo que traduza esse potencial em alternativas que façam deslanchar o empreendedorismo brasileiro.

Em outras palavras, falta-nos o que parece sobrar não apenas à China, mas também à Rússia e à Índia: um projeto nacional de inserção mundial e vontade política para implementar decisões com repercussões de longo prazo.

Carecemos de um projeto para definir o que descartar em nossa estrutura produtiva, como reordenar a produção, administrar a extração das matérias-primas, requalificar os trabalhadores e, principalmente, priorizar financiamentos de longo prazo.

-------------------------------------------------------------------------------- Falta ao Brasil um projeto de inserção mundial e a vontade política para implementar decisões com repercussões futuras --------------------------------------------------------------------------------

Para não perder o atual espaço na corrente internacional de comércio, conquistar novas fatias e diversificar os destinos de nossas exportações, precisamos pensar a inserção e os desafios do Brasil no cenário internacional num horizonte de 25 a 50 anos.

É preciso reverter o atual foco adotado pelas agências governamentais de fomento às exportações, cujas ações são calcadas no conceito de cadeia produtiva, útil para determinados segmentos, mas que não pode ser estendido aleatoriamente ao conjunto da economia brasileira.

Hoje, é principalmente a "não commodity" que pode ampliar as oportunidades de crescimento sustentado do comércio exterior brasileiro, que deve ser visto como parte de um esforço de ampliação da presença brasileira no atual cenário mundial. A instalação de empreendimentos varejistas e de serviços em outros países deveria ser apoiada pelos mesmos mecanismos que hoje fomentam a exportação de produtos. Por exemplo, uma rede brasileira de churrascarias favorece a associação, na mente do consumidor, entre produto de qualidade e o país que os exporta. Da mesma forma, quem pensa na grife Gucci, pensa automaticamente na Itália.

Também é preciso encarar a verdade de frente. O Brasil está atrasado em mais de 15 anos em relação à penetração nas diferentes regiões da Ásia. Perdemos igualmente fantásticas oportunidades de marcar presença na construção das economias dos estados oriundos da dissolução da URSS, espaço que foi ocupado por empresas da União Européia, dos EUA, da Índia, da Coréia do Sul, do Japão e, nos últimos anos, da própria China.

Até há pouco, o único empreendimento empresarial brasileiro nas repúblicas da ex-URSS era uma franquia da H. Stern na antiga capital do Cazaquistão, Alma Ata. Em relação à África, a situação não é muito melhor. Apesar deste continente ser, desde a década de 70, foco de ações pontuais do Estado e de empresas brasileiras como Petrobras, Camargo Corrêa, Odebrecht e algumas outras mais.

O fato se repete em outros países. São poucas as iniciativas contínuas de fixar a presença brasileira por meio de ações empresariais. Sem estratégia de longo prazo, o Brasil continua a ser identificado apenas com o futebol e algumas commodities. Entres estas, sequer o café recebeu um esforço de identidade semelhante ao promovido pela Colômbia nas últimas décadas.

Por todas as razões aqui expostas, a Federação do Comercio do Estado de São Paulo decidiu organizar o ciclo de debates "Inserindo o Brasil", que objetiva conjugar os esforços de empresários e do governo para reforçar a construção de uma nova imagem internacional do nosso país: a de produtor de bens e serviços de excelência, com preços e qualidade competitivos em relação ao que de melhor existe no mundo.

Não podemos mais ficar restritos à condição de coadjuvantes no cenário mundial, desempenhando papéis secundários, perdendo espaços e oportunidades. Nosso dilema hoje é nítido: ou nos inserimos adequadamente na arena internacional, como um objetivo da Nação, escolhendo modelos, aliados e parceiros, ou estaremos condenados a exportar produtos primários, a comprar os produtos industrializados e a copiar modismos, eternizando nosso atraso e dependência.

Abram Szajman é presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio SP) e dos Conselhos Regionais do Sesc e do Senac; 1º vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC); presidente do Conselho de Administração do Grupo VR e presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Fecomercio de Previdência Associativa.