Título: Governo analisa mais cartéis e menos fusões
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2006, Especial, p. A12

Um balanço sobre a atuação do Ministério da Justiça na área de defesa da concorrência revela que o governo está julgando menos menos fusões e aquisições no Brasil a despeito de esses negócios terem aumentado consideravelmente nos últimos anos. E se, de um lado, reduziram-se os processos de fusões e aquisições, de outro, aumentou drasticamente o número de investigações sobre condutas anticoncorrenciais das empresas, como cartéis.

O balanço foi concluído pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e mostra que o governo está gastando menos recursos para analisar as fusões e aquisições, e mais no combate aos cartéis. "Como temos recursos escassos, devemos saber onde investir", justificou o secretário Daniel Goldberg.

No ano 2000, a SDE recebeu 681 processos de fusões. No ano passado, foram apenas 386. E a tendência de queda continua: até a metade deste ano, eram 146. A expectativa é que as fusões fiquem dentro da média de 300 processos por ano.

Já nos processos em que são investigadas condutas anticoncorrenciais de empresas, a curva se inverteu. Em 2002, foram concluídos 43 processos desse tipo. Um ano depois, o número subiu para 326. Em 2005, a SDE concluiu 247 processos sobre condutas anticompetitivas das empresas. Até a metade deste ano, eram 134, mostrando que a tendência, nos casos de cartel, é de crescimento. Aqui, a estimativa é de 250 a 300 processos por ano.

Os números da SDE são uma importante ferramenta para o setor privado. Eles permitem que as empresas tenham conhecimento das estratégias do governo em áreas vitais para os seus negócios. A queda nas fusões e aquisições revela que as autoridades estão procurando ser menos burocráticas na análise de negócios privados. O aumento dos casos de cartel mostra que o governo investiu, nos últimos quatro anos, para criar uma estrutura de combate aos crimes empresariais.

Para Goldberg, houve sobretudo uma mudança qualitativa nos casos de cartéis. Na segunda metade dos anos 90, o governo abria muitas investigações até como forma de divulgar que certas práticas, que haviam se tornado comuns nos anos de inflação, como a discriminação de preços e os contratos de exclusividade, eram ilegais.

Agora, a SDE está mais rigorosa na abertura das investigações. Se a denúncia não está bem fundamentada, não vai para a lista de combate aos cartéis. Por outro lado, quando os técnicos do Ministério da Justiça notam que há fortes indícios de práticas prejudiciais ao mercado, usam novas formas de combate aos cartéis, que incluem até a atuação da Polícia Federal.

Em julho de 2003, a SDE realizou a primeira ação de busca e apreensão de documentos na sede de empresas envolvidas num cartel. A operação resultou na condenação pelo Cade do "cartel das britas", que envolveu 23 empresas e 14 pessoas físicas. O cartel controlava o preço de matérias-primas vendidas para o setor de construção civil. Hoje está sendo processado pelo Ministério Público.

Em outubro do mesmo ano, a SDE inaugurou o programa de leniência - pelo qual uma empresa confessa o cartel às autoridades para obter uma redução de pena. A leniência foi utilizada pela primeira vez na apuração do cartel de empresas de segurança privada do Rio Grande do Sul. Com informações de um dos integrantes do cartel, a secretaria conseguiu a autorização da Justiça para investigar a sede das empresas gaúchas.

No início deste ano, a SDE usou uma estratégia semelhante na Operação Fanta. Um ex-diretor de uma das principais indústrias de suco de laranja do país contou à SDE que havia um cartel no setor, em prejuízo aos produtores de laranja do interior paulista. Com base na confissão do ex-diretor, a SDE obteve autorização judicial para entrar, junto com a PF, na sede das indústrias de sucos. Agora, o setor de suco discute o pagamento de R$ 100 milhões ao governo para encerrar o processo de cartel. Hoje, para cada investigação de cartel aberta, a SDE conclui duas e meia.

O balanço revela informações que permitem uma comparação histórica entre as políticas de concorrência dos governos Lula e FHC. Nos anos FHC, o país viveu um processo forte de desestatização, com o conseqüente ingresso de investimentos estrangeiros no país. Naquele contexto, o julgamento de fusões mereceu um tratamento diferenciado. Já a política de concorrência dos anos do presidente Lula focou-se em operações anticartéis, com o auxílio da PF, bastante privilegiada no período.

A redução no número de julgamentos de fusões no primeiro mandato do presidente Lula não quer dizer que houve menos negócios no país no período.

As fusões não só cresceram, como estão próximas de um recorde no Brasil. Neste ano, o país deve ultrapassar o seu pico histórico de movimentações financeiras em fusões e aquisições: exatos US$ 52 bilhões, em 1998, quando as privatizações, em especial a venda do sistema Telebrás, ampliaram consideravelmente os negócios no Brasil. Nos três primeiros trimestres deste ano, o país registrou US$ 49 bilhões. Assim, são grandes as chances de ultrapassar o recorde de fusões. Por outro lado, a tendência é reduzir o número de julgamentos desses negócios empresariais.

Isso ocorre porque as autoridades do governo na área de defesa da concorrência tomaram medidas práticas para reduzir a burocracia na análise de fusões e aquisições. Em fevereiro de 2003, a SDE e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda instituíram o rito sumário, separando as fusões simples (que passaram a ser analisadas mais rapidamente) das polêmicas (que ganharam maior atenção). Em janeiro de 2004, a SDE e a Seae iniciaram a instrução conjunta de fusões e aquisições. Com isso, dividiram o trabalho. Em vez de ambas analisarem a mesma fusão, uma secretaria faz o parecer e a outra simplesmente concorda. O resultado dessas medidas foi que o tempo médio de análise de fusões e aquisições caiu de 81 dias, em 2002, para 50 dias, neste ano.

O Cade também ajudou neste processo de desburocratização. Até janeiro de 2005, o órgão antitruste julgava qualquer fusão em que uma das empresas tivesse faturamento superior a R$ 400 milhões no mundo. Esse critério, previsto na Lei de Concorrência (nº 8.884) levou a uma enxurrada de processos, aumentando a burocracia dentro do conselho. A piada, entre advogados que militavam no Cade, era que se a Philip Morris comprasse um carrinho de pipoca tinha que notificar o caso para julgamento.

Mas, a partir daquele mês, o Cade passou a considerar o faturamento de R$ 400 milhões desde que obtido no Brasil. Foi uma simples mudança que reduziu brutalmente a burocracia do governo na análise dos negócios das empresas.