Título: Governo tenta seduzir classe média rural
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2006, Agronegócios, p. B12

Convencido de que é possível atrair para sua órbita parte expressiva do setor rural, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajustará, no segundo mandato, o foco dos benefícios da política agrícola na classe média dos produtores.

Responsáveis por 20% da geração da riqueza no campo e por 19% da área total dos imóveis rurais do país, os médios produtores passarão a ter o amparo de um pacote de bondades que deve incluir crédito mais farto, juros mais baixos, seguro rural mais abrangente e prêmios mais subsidiados para garantir proteção de renda.

"Há grande preocupação com essa parcela, que está entre duas pontas e não tem políticas claras. Não é empresário que se vira por conta própria nem é pequeno que tem mais apoio do governo", diz o deputado reeleito Assis Miguel do Couto (PT-PR), membro da comissão temática de Política Agrícola e Reforma Agrária do programa de Lula para o segundo mandato.

Hoje, essa fatia de médios produtores é amparada apenas pela linha Proger Rural. Paga juros de 8% ao ano, mas tem um volume de apenas R$ 700 milhões no Plano de Safra 2006/07. No fim, para evitar a perda do direito a crédito e juros mais baratos das linhas da agricultura familiar (Pronaf), parte dos produtores divide entre familiares as suas propriedades, empregados e maquinários. Assim, mantêm-se no limite das regras do Pronaf, que contempla benefícios a produtores com até 20 hectares e renda anual máxima de R$ 80 mil.

Para conferir contornos ainda mais concretos ao plano federal, a classe média rural contará com mais estímulos financeiros para operar em mercados futuros de opções e de bolsas de mercadorias, oferecendo uma proteção de preço efetiva contra as oscilações bruscas no mercado.

"São produtores muito eficientes, altamente produtivos, mas que têm sido atendidos por um programa, o Proger, que está em situação declinante", afirma Valter Bianchini, secretário-executivo da comissão e secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário. "Vamos chegar a um público que está à deriva e que merece atenção".

Um efeito imediato da nova política, avalia-se nos bastidores do governo, será "isolar" as lideranças políticas mais radicais da bancada ruralista no Congresso Nacional, claramente identificadas com a oposição ao governo Lula durante a campanha presidencial. Mais forte no Parlamento, a bancada promete elevar o tom contra o Planalto. "Ajudaria a neutralizar esses discursos porque é uma fatia que não está altamente endividado como estão os grandes", diz Assis do Couto.

O movimento do governo federal busca recuperar o apoio perdido nas camadas médias do setor em função da grave crise de renda que tem abatido centenas de produtores desde o fim de 2004, sobretudo nos segmentos de grãos e na pecuária.

O principal foco do chamado "Novo Proger Rural" será nos produtores com renda anual entre R$ 80 mil e R$ 240 mil. É nessa faixa, onde a maioria absoluta detém áreas entre 20 e 300 hectares, que encontram mais apelo os discursos de lideranças ruralistas por novas renegociações de dívidas rurais e por socorros emergenciais em épocas de crise aguda.

A maior parte da classe média rural, principalmente na região Sul do país, está ligada a cooperativas agrícolas. Por isso, o governo também apostará na modernização da legislação do segmento para ampliar os benefícios às chamadas cooperativas de economia solidária, hoje restritas ao atendimento de assentados da reforma agrária. "As cooperativas são vitais nesse processo", afirma Bianchini.

A primeira medida concreta deve ser a extensão aos médios produtores dos benefícios obtidos pelos produtores familiares com a criação do seguro contra flutuações de preços. Pelo mecanismo, que será instituído neste mês, o governo fixa uma cotação mínima de referência para determinados produtos e concede descontos em caso de queda dos preços abaixo do estabelecido.

É um forte instrumento de subsídios que deve evitar novas rolagens de dívidas. "Está todo mundo muito interessado em atuar nessa linha porque ajuda a balizar o mercado e a garantir o mínimo para o produtor", afirma o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.

Parte dos esforços para levar luz, educação e habitação ao campo também será direcionada à esse estrato. Os formuladores do governo apostam também na ampliação da infra-estrutura de ferrovias, rodovias e portos nas principais regiões de produção do país para atrair a simpatia desta fatia do setor. Obras como o asfaltamento das rodovias BR-163 e BR-158, além da conclusão das ferrovias Norte-Sul e Ferronorte, são consideradas "essenciais" para reduzir os custos de produção e garantir mais renda ao produtor.