Título: Eleição de governadores do PT em Sergipe e na Bahia facilita retomada do projeto
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2006, Brasil, p. A4

O novo mapa político do Nordeste que emergiu das eleições para governador facilita a retomada do projeto de transposição do Rio São Francisco. A integração das bacias hidrográficas é um tema que divide historicamente os Estados "doadores" e "receptores" de água. Entre os doadores, as maiores resistências ao empreendimento estão em Sergipe e na Bahia, governados atualmente pelo PFL e onde o PT venceu as eleições no primeiro turno. No segundo turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve 78,8% dos votos válidos na Bahia e 60,1% do total em Sergipe.

"De certa forma, o projeto passou por um processo de plebiscito", afirma o ministro da Integração Nacional, Pedro Brito. Na campanha, Lula evitou falar na transposição e limitou-se a falar em "revitalização" do São Francisco nos Estados que se opõem à transposição. Para o ministro, o presidente não tentou esconder o empreendimento. "Não houve fuga do debate, é que não dá para discutir um projeto técnico em ambiente eleitoral", comentou.

O governador eleito da Bahia, Jacques Wagner, disse que não fugiu da defesa do projeto de transposição durante a campanha e continua favorável ao empreendimento, como na época em que ocupava o cargo de ministro das Relações Institucionais. "Não é porque fui eleito governador que vou mudar de posição", disse Wagner ao Valor. "Evidentemente, ao tornar-me governador, passo a ouvir outras vozes, mas o projeto segue na ordem do dia."

Segundo o ex-ministro, a transposição é uma questão "quase sentimental" para Lula e o novo alinhamento político do Nordeste favorece o diálogo com o governo federal. Wagner pretende investir em outras ações na Bahia. Ele argumentou que, com R$ 2 mil, é possível construir cisternas com capacidade para 15 mil litros, que permitem guardar água suficiente para enfrentar oito meses de estiagem. "O que, na minha opinião, não exclui a idéia da transposição", concluiu.

O governador eleito de Sergipe, Marcelo Déda, diz entender o desejo de Lula, mas tem uma posição diferente. Ele acha que, antes de pensar em começar as obras da transposição, é preciso intensificar as ações de revitalização do rio. "Como governador do Estado, não posso agir como militante do PT. E a população do Estado é contra a transposição."

Para Déda, um dos passos fundamentais para construir um consenso que permitirá o início das obras é a aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), atualmente parado na Câmara dos Deputados, que cria um fundo constitucional para a revitalização. A PEC prevê a destinação de aproximadamente R$ 200 milhões anuais para aumentar atividades como saneamento, proteção ambiental, recuperação das matas ciliares, além de ações compensatórias aos Estados doadores. "Isso seria uma garantia de que, ao longo de 20 anos, teríamos R$ 4 bilhões para revitalizar o São Francisco", afirmou Déda. Para ele, o melhor a fazer é esperar a posse dos governadores eleitos e convocá-los a uma reunião para discutir os novos rumos do empreendimento.

"Passadas as paixões, Sergipe e Bahia vão ver que não haverá problemas para eles", opinou o governador eleito do Ceará, Cid Gomes (PSB). O Estado é tradicionalmente favorável à transposição. Cid afirma não ver razão para briga, pois o projeto que prevê a integração das bacias retira menos de 2% da vazão do São Francisco. "Os rios são nacionais. Não pode alguém pensar que é dono do rio", cobra ele, que pede espírito de solidariedade. "Quem tem muito tem de dar para quem tem pouco."

(Daniel Rittner, com Raquel Ulhôa, de Brasília)