Título: Desarticulação de suprimentos, um risco global
Autor: Soares, Rinaldo Campos
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2006, Opinião, p. A12

Todos os números do crescimento econômico global nesta e nas próximas décadas apontam para escalas de suprimentos materiais sem precedentes históricos. Calculado pelo critério da paridade do poder de compra, do Banco Mundial, que revela com maior precisão as dimensões comparativas dos países na economia global, o primeiro número que chama a atenção é o da magnitude do Produto Mundial Bruto (PMB): em 2005, alcançou US$ 61,2 trilhões. Entre os dez maiores, encontram-se seis países industriais maduros (pela ordem, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália) e quatro grandes emergentes (China, Índia, Brasil e Rússia, também em ordem de grandeza).

Vários aspectos chamam a atenção nos números dos PNBs das dez maiores economias nacionais e no do PMB. Um deles é a taxa de concentração do "quantum" gerado por esses países: seus PNBs somados são da ordem de US$ 42,2 trilhões, 69,8% do que o mundo produz. Outro, é que mais de um terço dessa soma corresponde aos quatro grandes emergentes, um posicionamento destacado e inusitado, particularmente o da China, que por este critério é a segunda maior economia do planeta, já bem distante do Japão (US$ 8,57 contra 3,94 trilhões) e cada vez mais próxima dos Estados Unidos, com PNB de US$ 12,4 trilhões.

Mas nenhum outro indicador impressiona tanto quanto o do crescimento do PMB: a uma taxa de 4% ao ano, a expansão anual absoluta da economia mundial é de US$ 2,4 trilhões. Um crescimento desta ordem equivale a bem mais do que uma economia do tamanho da do Brasil, pelo mesmo critério de cálculo: exatamente 1,5 vezes. Mantido por dez anos, corresponde a uma expansão de US$ 29,4 trilhões, equivalente a mais de duas economias do tamanho das do Estados Unidos ou o dobro de todas as economias da Europa Continental, do Atlântico aos Urais. Em 15 anos, quando chegarmos a 2020, mantida a taxa anual de 4%, o crescimento terá sido de US$ 49,0 trilhões, um valor que é igual à soma da produção atual dos três países do Nafta, somada aos dos vinte e cinco da União Européia e dos quinze industrialmente mais desenvolvidos da Ásia.

Em paralelo a este crescimento, de magnitudes jamais alcançadas, as correntes mundiais do comércio atingiram valores e proporções também sem precedentes históricos. Em 2005, as trocas mundiais de mercadorias e serviços alcançaram 27,2% da produção mundial. Em 2020, se continuarem crescendo entre 7 e 8% ao ano, como tem ocorrido nos últimos trinta anos, chegarão a mais de 55% da produção global, uma proporção jamais alcançada, que praticamente interligará, direta e indiretamente, todas as cadeias globais de suprimentos.

-------------------------------------------------------------------------------- Brasil deve ficar atento aos desafios globais dos suprimentos básicos para ancorar neles projetos de base e de infra-estrutura --------------------------------------------------------------------------------

Todos estes números apontam para escalas de suprimentos materiais, nos setores de base, que não têm qualquer precedente histórico. Basta citarmos três indicadores das pressões exercidas pelas novas exigências globais quanto aos suprimentos de cadeias produtivas. O primeiro se refere ao crescimento dos preços de insumos básicos que alimentam o setor industrial: tendo como base o ano de 2000, o índice mundial de variação das cotações das commodities, calculado por "The Economist", expandiu-se de 100,00 para 213,35 para a indústria como um todo e para 241,25 no segmento de metais. O segundo indicador é a capacidade dos novos cargueiros que estão sendo construídos nos estaleiros da Coréia do Sul, com capacidade para 350 mil toneladas, um volume jamais embarcado. E o terceiro indicador é a reconstrução do Canal do Panamá, para viabilizar a passagem de embarcações três a quatro vezes maiores às que atualmente estão em operação.

Todavia, se os setores de base não acompanharem o ritmo com que está ocorrendo o crescimento econômico, a economia mundial poderá ser travada por desarticulações nas cadeias globais de suprimentos. Esse é o grande risco sistêmico que a expansão global dos mercados estará correndo daqui em diante.

Dentro destas perspectivas, o Brasil tem grandes chances de assumir posicionamento estratégico de alta relevância mundial. Os inequívocos potenciais do país nos setores básicos podem torná-lo um dos mais importantes supridores das cadeias globais de produção, principalmente se adicionarmos à produção básica processamentos subseqüentes à extração do capital natural, ampliando o valor adicionado de nossas exportações. Há, nesta direção, movimentos empresariais de peso, sintetizados em recente estudo produzido pela área de insumos básicos do BNDES. A mineração, a siderurgia, a petroquímica, os complexos da celulose e da bioenergia e a produção agro, nos segmentos de grãos e fibras, poderão conduzir o país a ser a contraface do risco sistêmico da desarticulação global de suprimentos.

Recursos para investimentos não faltam, principalmente se estivermos dispostos a recorrer a fundos globais de private equity, dando aos investidores a segurança institucional que se exige como garantia dos riscos envolvidos. Não nos faltam também bases naturais de alta diversidade, acessíveis via política ambiental equilibradamente responsável, voltada tanto para metas de preservação quanto para os de crescimento econômico. E não faltarão mercados para absorver as escalas de que o Brasil é potencialmente capaz. Contrariamente até. Se atentarmos para os desafios globais dos suprimentos básicos, poderemos ancorar neles megaprojetos infra-estruturais e de setores de base, que alavancarão nosso crescimento, em sintonia com as grandes e inusitadas escalas da economia mundial.

Rinaldo Campos Soares é presidente da Usiminas e da Cosipa.