Título: Lula I e Lula II
Autor: Pastore, Affonso Celso e Pinotti, Maria Cristina
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2006, Opinião, p. A13

No início do seu primeiro mandato, Lula prometeu o "espetáculo do crescimento", mas entregou a mesma medíocre taxa média de crescimento do PIB dos últimos 15 anos, próxima de 2,7% ao ano. Não teve sucesso em elevar a formação bruta de capital fixo, que no seu ponto mais alto, quando computada em valores reais, atingiu a magra proporção de 17,5% do PIB, e falhou completamente em implementar medidas que elevassem a produtividade total dos fatores, que continua estagnada.

Sua política de transferência de rendas às camadas mais pobres da população, contudo, levou a um significativo aumento do bem estar dos beneficiados, que garantiu a expressiva votação recebida no segundo turno das eleições presidenciais. Lula apropriou-se da agenda social-democrática do PSDB, enfrentando o desafio de distribuir a renda, cuja urgência deriva do fato simples que os níveis de pobreza no Brasil ainda são extremamente elevados, mas falhou na segunda parte de sua proposta, que era de promover o crescimento enquanto redistribuía a renda. Neste ponto reside a contradição que terá que enfrentar em seu segundo mandato: não há como continuar melhorando o bem estar das classes de renda mais baixas sem que se acelere o crescimento econômico.

A política econômica em seu primeiro mandato baseou-se no mesmo tripé que sustentou a política econômica de Fernando Henrique Cardoso: o regime de metas de inflação; o câmbio flutuante; e a retórica da austeridade fiscal. Dizemos retórica porque enquanto prestava homenagens à austeridade fiscal, permitiu que os gastos públicos crescessem em termos reais às mais elevadas taxas da história brasileira recente, e este foi o instrumento de seu sucesso na redistribuição de rendas.

Lula resistiu a todas as pressões vindas do seu partido, da grande maioria dos empresários, e da grande maioria dos políticos de sua base de sustentação, para interferir na política monetária, e manteve a independência de fato do Banco Central, que produziu um controle da inflação ímpar na história econômica brasileira.

Lula também teve a sorte de beneficiar-se de uma situação internacional extraordinariamente favorável, que deu ao Brasil de presente o crescimento das exportações e os superávits nas contas correntes; que permitiu a redução da dívida externa; e que ao lado da elevada liquidez internacional, permitiu a melhora no perfil de vencimentos da dívida externa; a acumulação de reservas; e a desdolarização da dívida pública. Com isso, o real pode valorizar-se, e apesar dos estridentes protestos dos empresários e dos políticos de sua base de sustentação, os superávits comerciais e nas contas correntes continuaram elevados. Adicionalmente, o fortalecimento do real foi importantíssimo no combate à inflação, e na redução do custo das máquinas e equipamentos importados.

Já no campo da austeridade fiscal tivemos apenas um progresso na desdolarização da dívida pública e no aumento da participação dos títulos emitidos a taxas de juros (nominais ou reais) fixas, e apesar de ter cumprido as metas de superávits primários, gerou um crescimento descontrolado e não-sustentável dos gastos públicos que elevou, contra as promessas dos ministros Palocci e Mantega, a carga tributária. Piorou, e não melhorou, conforme prometido no início, a qualidade da política fiscal no primeiro mandato de Lula.

-------------------------------------------------------------------------------- No segundo mandato, Lula terá de escolher como pretende conciliar a aceleração do crescimento econômico com a estabilidade macroeconômica --------------------------------------------------------------------------------

Nos quatro anos do seu primeiro mandato Lula elevou os gastos primários do governo federal a uma taxa média de 9,4% ao ano. Para que esse crescimento não gerasse o aumento da dívida pública, teve que persistir aumentando a carga tributária, o que contribuiu para desestimular o setor privado, limitando a recuperação da formação bruta de capital fixo. A taxa de 17,5% da formação bruta de capital fixo, ocorrida em 2006, é absolutamente insuficiente para acalentar os desejos de aceleração do crescimento tantas vezes vociferados pelo Ministro Mantega. Para que o Brasil cresça mais aceleradamente, será necessário elevar significativamente esta taxa de investimentos, da mesma forma que será necessário promover medidas que elevem a produtividade total dos fatores. Tudo o mais são meras promessas.

No limiar de seu segundo mandato Lula enfrenta pelo menos um importante desafio. Terá que fazer suas escolhas sobre como pretende conciliar a aceleração do crescimento econômico com uma estabilidade macroeconômica, que garanta a estabilidade de preços, evite o crescimento desordenado da carga tributária e/ou da dívida pública, e gere o equilíbrio nas contas externas. A escolha racional óbvia é a de manter o regime de metas de inflação e de câmbio flutuante, de buscar uma verdadeira austeridade fiscal, e implementar uma agenda de reformas que estimule os investimentos e aumente a produtividade total dos fatores. Contudo, há dentro de seu partido forças que defendem exatamente o contrário: o rompimento frontal com a austeridade fiscal, que a rigor nunca existiu, o afrouxamento do controle monetário, buscando por milagre produzir o crescimento.

Em adição, terá que alterar a sua política externa, buscando acordos bilaterais com grandes parceiros comerciais como Estados Unidos e União Européia, no lugar de render-se à antiga retórica terceiro-mundista do Itamarati, que tentou transformá-lo em líder dos países em desenvolvimento, mas que conseguiu apenas promover o presidente Chávez da Venezuela a esta posição.

Terá que produzir um marco regulatório que remova os riscos para, quer através de PPP´s, quer através de privatizações, elevar os incentivos aos investimentos em infra-estrutura. Mas, para tanto não pode sucumbir aos clamores da esquerda de seu partido, e nem sabemos se contará, para isto, com o apoio do Congresso no campo das reformas necessárias.

Em seu segundo mandato Lula terá que construir um apoio político para produzir o crescimento econômico, que requer uma política econômica muito mais próxima da agenda neo-liberal do que da agenda social-democrática. Será que ele será suficientemente pragmático para operar esse milagre, adotando uma política econômica que contrarie a ideologia da maioria de seu partido e as promessas feitas aos eleitores que lhe deram o segundo mandato? Nos próximos quatro anos teremos a resposta.

Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti são economistas e escrevem mensalmente às segundas.