Título: Burocracia atrapalha integração, diz Amorim
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2006, Especial, p. A14

As resistências na burocracia brasileira às medidas para integrar os países do Mercosul vão obrigar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a convocar uma reunião ministerial dedicada ao tema, defende o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. A reunião servirá para que Lula determine mudanças nas leis e regulamentos que dificultam a integração.

Amorim informou ao Valor que pretende adiar para janeiro a reunião semestral do Mercosul, a ser realizada no Brasil. Até lá ele espera concluir discussões, no governo, para novos mecanismos de financiamento a investimentos no Uruguai, Paraguai e Argentina.

Apontado unanimemente no Palácio do Planalto como um dos ministros que Lula manterá, em seu segundo mandato, Amorim garante não ter discutido o assunto com o presidente, nem ter recebido qualquer sinal de que permanecerá no posto. Mas discorre com segurança sobre os passos a tomar para garantir o futuro do Mercosul e afirma que a América do Sul continua sendo a maior prioridade do presidente. O adiamento na reunião do Mercosul deve ser causado pela proximidade com a reunião da Comunidade Sul-Americana de Nações, em dezembro, em Cochabamba, na Bolívia.

O Brasil está na presidência temporária do Mercosul (que muda a cada semestre, e, no próximo, irá para o Paraguai), e designou um economista brasileiro, Reginaldo Arcuri, para preparar iniciativas de integração das indústrias nos países integrantes do Mercosul.

Arcuri, que foi ex-secretário de Desenvolvimento da Produção no governo Fernando Henrique Cardoso e ocupou a Secretaria Técnica do Mercosul, foi cedido pelo governo brasileiro à Comissão de Representantes do Mercosul, presidida pelo ex-vice-presidente argentino Carlos Chacho Álvares. Ele tem procurado identificar obstáculos e oportunidades para os investimentos no mercado comum.

"No Mercosul, há um hiato entre o tratamento normativo das coisas e a realidade prática; não adianta tratar de cadeias produtivas se não levar o empresário lá", comenta Amorim. "Tem de levar o empresário que pode investir e ver o que falta para o investimento." O ministro informa que a Comissão de Representantes e Arcuri estão verificando, com potenciais investidores, se será necessário mudanças nas regras de origem para comércio entre os países do Mercosul, se há carência de fontes de investimento e qual o papel que poderia ter uma política de compras governamentais dirigida a fornecedores instalados nos países do bloco.

"Trabalhamos com uma intensidade que não tínhamos no passado", garante, apontando como exemplo do esforço governamental a reunião entre empresários e autoridades brasileiros e uruguaios promovida na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em setembro.

Na mesma época, uma missão ao Uruguai chefiada por Amorim, com participação de órgãos públicos como o BNDES e a Anvisa já foi conseqüência de uma determinação do presidente Lula, de engajar outros ministérios no esforço de integração, diz ele. Segundo o ministro, o vice-presidente do BNDES, Armando Mariante, estuda a abertura de um escritório do banco em Montevidéu.

Ele diz que, embora haja mudanças, ainda falta à administração pública uma "cultura de integração", devido aos procedimentos e hábitos acumulados pelas políticas protecionistas do passado. A exigência legal de rótulos em português para mercadorias importadas dificulta a exportação de pequenas e médias empresas uruguaias ao mercado brasileiro, exemplifica. "Se queremos ajudar Paraguai e Uruguai temos de dar assistência técnica para eles, facilitar a versão em português", sugere.

Amorim aponta, ainda, outra aberração em uma união aduaneira como é, em teoria, o Mercosul: nas fronteiras com Uruguai, Paraguai e Argentina, há alfândegas que só abrem "dia sim, dia não".

"Se está num país integrado, e teoricamente o trânsito de mercadorias é livre, não pode existir esse tipo de obstáculo", reclama o ministro, que, no entanto, elogia com entusiasmo o desempenho do Ministério do Desenvolvimento, encarregado, entre outras tarefas, das negociações de monitoramento de comércio com a Argentina, para solucionar queixas dos empresários dos dois países.

"As normas do Brasil não estão erradas. É que não se pode tentar aplicá-las simplesmente, aos parceiros, sem tentar resolver os problemas", afirma. "O presidente diz que o Mercosul é uma paixão e sabe que, para essa paixão se realizar temos de azeitar muita coisa na burocracia e em nossos procedimentos", diz. "É alta prioridade."

Entre os órgãos que são alvo desse esforço, o ministro cita a Receita, o BNDES, a Anvisa, o Inmetro e a Finep, que levou em sua visita ao Uruguai, para aplacar a insatisfação do governo local com a falta de resultados práticos do Mercosul para o país. "Desde a primeira administração do BNDES, o banco tenta ver se desenvolve linhas de financiamento, facilidades, mas sempre há dificuldades", exemplifica. "Existe espaço para financiar até empresários não-brasileiros; mas é mais fácil se houver empresas nacionais envolvidas."