Título: Eletrobrás investirá R$ 3 bi em geração
Autor: Schüffner, Cláudia e Capela, Maurício
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2006, Empresas, p. B6

A Eletrobrás é uma das estatais que o melhor adjetivo que a qualifica é a palavra gigante. Criada em 1962, hoje a empresa responde por 60% da energia consumida no Brasil, gerada pelas controladas Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletronuclear e os 50% que detém em Itaipu. Além disso, opera 51 mil km de linhas de transmissão (60% do total do país). Com faturamento de R$ 21,4 bilhões e lucro líquido de R$ 974,5 milhões em 2005, a estatal tem um rosário de atividades definidas para concluir antes do fim do ano. Tanto que Aloisio Vasconcelos, presidente da companhia, elenca desde a migração dos ADRs do nível 1 para o 2 na Bolsa de Valores de Nova York até o início das obras, nesta semana, da hidrelétrica de Foz do Chapecó (RS), cujo investimento é de R$ 2 bilhões. Com forte presença nos leilões de energia - vai participar também de todos os projetos de linhas de transmissão - Vasconcelos rebate as críticas de que a estatal pratica tarifas patrióticas. "Não é verdade", assegura o executivo, prevendo investimentos de R$ 6 bilhões em 2007. Abaixo, íntegra de entrevista concedida ao Valor.

Valor: Nos últimos anos, a Eletrobrás tem se posicionado de forma pró-ativa no setor. Qual é o plano para o futuro da companhia?

Aloisio Vasconcelos: Primeiro, preciso concluir 2006, porque faltam alguns movimentos. Vamos, por exemplo, começar nesta semana a obra da usina de Foz do Chapecó (RS), com capacidade de 855 megawatts (MW) e que demanda investimentos de R$ 2 bilhões. Essa energia, inclusive, deverá ser entregue no terceiro trimestre de 2010. Uma hora atrás, estava discutindo com Furnas o início das obras.

Valor: O que se discutia?

Vasconcelos: Uma ponto era a questão de que a energia de Foz do Chapecó não havia entrado no leilão (realizado em outubro). Segundo, a obra ainda precisa de documentação. Então, cobrei educadamente, porque assumi um compromisso de que passada a eleição presidencial começaria esta obra na segunda-feira. E temos de iniciar nesta semana.

Valor: Mas o que falta para fechar o plano de 2006?

Vasconcelos: Também falta concluir o projeto da usina hidrelétrica de Simplicio (RJ/MG), que já tem resolvido o problema ambiental e os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Valor: Então, a companhia conseguiu financiamento, porque os técnicos do BNDES diziam que as estatais haviam superado o limite?

Vasconcelos: Eu tinha o compromisso do presidente do BNDES à época, Guido Mantega, e obviamente o conselheiro da Eletrobrás, Demian Fiocca, tinha boa noção de tudo. Ora, o presidente do BNDES, comprometido com o problema, virou ministro da Fazenda e o conselheiro Fiocca virou presidente do BNDES. Então, acho que a situação será mais fácil de ser acertada.

Valor: Mas essa norma, que vem desde os tempos do governo Fernando Henrique Cardoso, de que as estatais têm de contribuir com a meta de superávit primário, não vale?

Vasconcelos: Há uma ata do Conselho Monetário Nacional (CMN) dizendo que as estatais têm de respeitar uma série de regras e por isso é que nós desejamos a participação do setor privado. Queremos ter parcela de 49% e que 51% fique com grupos privados. Mas nesse caso, que é excepcional porque o parceiro privado desistiu na última hora, houve uma negociação com o BNDES. E Furnas está tratando do assunto e o clima é positivo. Essa usina, com capacidade de 323 MW, custa R$ 1,2 bilhão. A obra já está contratada e a energia precisa entrar no início de 2010. Portanto, está atrasada.

Valor: Qual é o cenário de investimento para 2007?

Vasconcelos: Nós temos R$ 6 bilhões para serem gastos no ano que vem, sendo R$ 3 bilhões para geração e R$ 2 bilhões para transmissão. Esse orçamento já está pronto. Entre 2007 e 2015, são US$ 40 bilhões de investimento em geração e transmissão, que se alinham ao Plano Decenal da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Neste ano, aplicaremos R$ 5,2 bilhões e muitos desses recursos foram para geração. Nós, inclusive, vamos entrar em todos os projetos de linhas de transmissão. No leilão passado, já ganhamos alguns lotes e agora no pregão deste mês vamos disputar quatro ou cinco blocos. Já no de dezembro, vamos entrar em todos os dez lotes.

Valor: E o que falta para 2006?

Vasconcelos: Preciso completar o questionário financeiro das empresas para cumprir as exigências legais, porque tenho que migrar as ações na Bolsa de Nova York para o nível 2. Isso já devia ter ocorrido em setembro.

Valor: Mas essa evolução do ADR do nível 1 para o 2 em Nova York tem sido anunciado há tempos pela companhia...

Vasconcelos: Sim, vocês têm razão, porque a Eletrobrás até que foi rápida no processo. Mas nós temos 15 subsidiárias, o que inclui as federalizadas. Itaipu, por exemplo, foi muito demorada. Mas felizmente andou bem em todas as outras. Assim, o relatório da PriceWaterhouseCoopers (PwC) deve ficar pronto este mês. Quando o relatório estiver finalizado, nós o entregaremos na bolsa e já poderemos fazer essa migração. Não quero que isso passe de dezembro.

Valor: Com isso, o senhor finaliza a sua obrigação para 2006?

Vasconcelos: Não. Ainda faltam duas coisas. Uma delas é a inclusão de Angra 3 na pauta do próximo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Esse assunto, na verdade, já esteve na pauta do CNPE e já senti um clima favorável. Mas não foi votado e isso é uma decisão de governo. À Eletrobrás só cabe esperar.

Valor: Então, qual é o último passo que falta para terminar suas obrigações neste ano?

Vasconcelos: Bem, tudo que falamos até o momento é palpável. Mas tenho um sonho, que é liberar a Eletrobrás para atuar no exterior. Só que é preciso alterar a lei, que restringe a estatal a atuar no país. Então, ou eu mudo isso ou acrescento que a empresa está apta a atuar nos países que o Brasil tem relações diplomáticas.

Valor: Há alguma negociação em curso? Qual é o estágio atual?

Vasconcelos: A Eletrobrás fez um estudo e o apresentou à diretoria em agosto de 2005. Isso foi aprovado e, logo depois, seguiu para Brasília. Depois, o relatório foi encaminhado oficialmente ao Ministério de Minas e Energia, que o debateu por quatro meses e o aprovou. Então, foi enviado como nota técnica de ministro para ministro para Casa Civil em fevereiro deste ano.

Valor: Qual é a linha do estudo?

Vasconcelos: O estudo vai permitir que a Eletrobrás leve sua expertise e conhecimento em construção de usinas, subestações de sistema para o exterior. E garanto que tenho mais demanda que capacidade. Um exemplo é a usina binacional da Namíbia e Angola, cuja capacidade é de 560 MW, que podia ser feita com a marca Eletrobrás. Mas como não pude colocar a marca, usei Furnas. A usina está em obra e o investimento é de US$ 600 milhões.

Valor: Mas se a Eletrobrás não pode, porque Furnas pode fazer o empreendimento?

Vasconcelos: Não sei. Mas é só porque está escrito (na lei que criou a estatal) que a Eletrobrás não pode atuar fora do país. Então, conversei com as autoridades e consegui apenas que o contrato saísse no nome de Furnas/Eletrobrás, mesmo sabendo que quem assina é Furnas. Mas pelo menos vendi a marca.

Valor: Há outros projetos que a Eletrobrás poderia estar participando no exterior?

Vasconcelos: Sim. Há a usina de El Salvador, com capacidade de 240 MW. Existe também a possibilidade de uma usina hidrelétrica na Colômbia, de 600 MW, que atenderia a região brasileira de Letícia, que fica bem na divisa entre os dois países e onde o suprimento de energia é difícil. E há parcela em alguns projetos com a Kepco, da Coréia do Sul, e a chinesa Citic. Tenho memorando de entendimento, mas não posso levar avante.

Valor: O senhor tem expectativa quanto a prazos de alteração?

Vasconcelos: Eu acreditei tanto nisso, que adiantei o passo e conversei com o presidente do Senado e da Câmara dos Deputados para preparar sua aterrisagem no Legislativo. Assim, teria andamento mais rápido, porque encontrei boa receptividade de ambos. Agora, espero que prevaleça o bom senso e que a Eletrobrás possa vender a engenharia brasileira lá fora, porque todo mundo ganha. Afinal, vou fazer contratos e levar o gerador brasileiro, a turbina brasileira...

Valor: Existem também questionamentos quanto aos preços praticados nos últimos leilões de energia. Há quem diga que estão adotando preços patrióticos e comprometendo o fluxo de caixa das companhias no futuro.

Vasconcelos: Acho que devemos trabalhar com taxa de retorno de investimento de 12%. A diferença é que a multinacional quer sempre 15%. O desejável é 14% ou 15%, agora o aceitável é 12%. Mas a Eletrobrás é responsável, porque tem acionistas no mundo e não entra em negócio para perder dinheiro.

Valor: O preço de venda de energia da hidrelétrica de Mauá (PR), com capacidade de 362 MW, foi de R$ 112,96 por megawatt hora (MWh). Este valor dá 12% de taxa de retorno? (A usina foi comprada pelo consórcio formado pela Enersul, da Eletrobrás, e a estatal paranaense Copel)

Vasconcelos: Sim, porque se não desse 12% de retorno, não vou dizer que estaríamos fora, mas o cenário seria reavaliado na hora de arrematar o ativo que foi vendido no leilão de geração de outubro deste ano.

Valor: Afinal, o que a Eletrobrás pretende fazer com as sete empresas federalizadas? Há informações de que se negociaria esses ativos.

Vasconcelos: Não é verdade. As federalizadas estão em processo de gestão. Das sete, duas se estabilizaram, Manaus Energia e Boa Vista Energia. As que estão no lucro são a alagoana Ceal, a Ceron de Rondônia e Eletroacre. Já as que estão no vermelho são a piauiense Cepisa e a amazonense Ceam. O fato é que estamos concluindo em 10 de novembro o relatório da gestão. E o entregaremos para o Ministério das Minas e Energia, que orientará o futuro.

Valor: Qual é a recomendação?

Vasconcelos: Não tenho a redação final. Mas não vejo nenhum cenário de privatização.