Título: Investimento público em pesquisa agrícola perde fôlego e espaço
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2006, Agronegócios, p. B12

Entre 2002 e 2005, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) recebeu do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) financiamento de R$ 2,5 milhões para seqüenciar o genoma da laranja e, a partir daí, desenvolver variedades resistentes a doenças como o amarelinho e a morte súbita dos citros.

A primeira parte do processo foi concluída com sucesso. Com os recursos recebidos, o IAC desenvolveu o maior banco de genoma de citros do mundo, que se tornou uma referência procurada hoje por grupos de pesquisadores de EUA, Espanha, Itália e Israel.

Já a segunda etapa dessas pesquisas, a que envolve o genoma funcional - que consiste em detectar os trechos de genes que dão resistência a doenças e a partir daí desenvolver variedades -, corre o risco de não sair do papel por falta de dinheiro.

"Os recursos federais aparecem e desaparecem. Não nos deram verba para continuar a parte do genoma funcional, que é um projeto maior", lamenta Marcos Machado, diretor do Centro de Citricultura do Instituo Agronômico de Campinas (IAC) - vinculado à Secretaria de Agricultura de São Paulo - e coordenador das pesquisas com genoma de citros.

Nesse período, o IAC desenvolveu variedades de tangerinas sem sementes, além de outras obtidas com melhoramento convencional. As espécies transgênicas (resistentes a doenças) não sairão do laboratório até que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) libere testes de campo. "A gente toca como pode", diz Machado.

Em parte graças às carências públicas, a porta para o avanço de empresas privadas nesse campo se abriu, e a lacuna acabou preenchida. A Alellyx Applied Genomics, braço da Votorantim Novos Negócios, participou com o IAC do programa de seqüenciamento do genoma da Xylella, mas seguiu em frente e já desenvolveu laranjas resistentes a doenças.

Por meio da Canavialis, seu outro braço "agrotecnológico", o grupo Votorantim também participou do projeto genoma da cana em parceria com o mesmo IAC e outras 15 empresas, e hoje começa a ver a concorrência pelo retrovisor: 10% das variedades de cana produzidas no Brasil têm genética da Canavialis, entre as quais uma que produz 15% mais açúcar que o normal. E a empresa já faz testes com uma variedade transgênica que produz 70% mais açúcar.

Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios, afirma que entre 2002 e 2005 o grupo investiu US$ 20 milhões em pesquisas com genoma de cana, laranja e outros citros. Nos próximos anos, diz, serão gastos entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões por ano na área.

O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC, que pertencia à Copersucar), é outro ator privado que mantém projetos semelhantes em cana. E também investe mais do que o setor público: US$ 4 milhões por ano em pesquisas.

Salvas exceções, o aporte de recursos públicos em pesquisas com biotecnologia foi reduzido após a febre de investimentos entre 2000 e 2005 aplicados no seqüenciamento do genoma de plantas e outros seres vivos - arroz, banana, café, cajueiro, cana, eucalipto, laranja, melão, boi, Xylella Fastidiosa (praga do amarelinho), Xanthomonas (causador do cancro cítrico) e da bactéria do Rio Negro (Chromobacterium violaceum, que permitirá tratar a doença de Chagas).

Assim, a maior parte das seqüências de genoma está com empresas e institutos ligados ao governo, entre eles Embrapa, com sete produtos (café, eucalipto, banana, arroz, melão, caju e boi), e IAC, com quatro (parte do genoma de Xylella, laranja, café e cana).

O desenvolvimento dessas pesquisas pôs o Brasil em linha com países que lideram estudos em biotecnologia agrícola, como EUA, França, Israel e Reino Unido. Ainda hoje alguns trabalhos nativos são considerados os mais avançados do mundo, como é o caso das pesquisas da Xylella e do eucalipto.

Mas Machado, do IAC, ressalva que o fato de o Brasil deter alguns bancos de genoma não o coloca em vantagem, como se acreditava no passado recente.

Em 2005, na 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), 188 países definiram um protocolo de biodiversidade, que prevê regras para uso comercial de recursos genéticos para evitar a biopirataria. Essa regulamentação prevê que cada país tem o direito de patente sobre recursos genéticos. E as empresas têm de patentear esses recursos para poder comercializá-los.

"Já se foi o tempo em que a troca entre bancos de genes era livre. Os EUA patenteiam tudo, até planta, e para ter acesso é preciso pagar", diz Machado. O pesquisador observa que os países mais avançados em biotecnologia também têm bancos de genoma semelhantes e tão ricos quanto os brasileiros.

"O problema é que nos outros países há centenas de empresas investindo ao mesmo tempo. No Brasil, poucas pesquisam e têm de vencer a burocracia para fazer seu trabalho", diz José Manuel Cabral, coordenador-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Fato é que, após a decifração dos códigos e da criação dos bancos de genoma, as instituições públicas tiveram mais dificuldades para desenvolver suas pesquisas.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é outro exemplo dessa tendência. Entre 1998 e 2005, o órgão do governo estadual aplicou US$ 1,8 milhão em pesquisas com biotecnologia voltadas ao agronegócio, mas em 2006 não gastou nada nessa frente e não tem projetos para os próximos anos.

Já o Fundo Tecnológico (Funtec), lançado pelo BNDES em junho, tem em carteira 31 projetos que concentram R$ 383 milhões em financiamentos, mas nenhum na área agropecuária.

Um dos maiores símbolos da competência das pesquisas agrícolas brasileiras, a estatal Embrapa viu seu orçamento para investimentos chegar ao fundo do poço em 2003. Naquele ano foram apenas R$ 14,4 milhões, e, por mais que o valor tenha crescido - chegou a R$ 50,8 milhões em 2006 -, essas oscilações atravancam o desenvolvimento de muitos trabalhos, conforme especialistas.

Para pesquisas em biotecnologia, a empresa previa aplicar R$ 44 milhões em 2006, e para ampliar seu alcance o estabelecimento de parcerias no país e no exterior transformou-se em prioridade. "A Embrapa busca ampliar parcerias em biotecnologia, que é uma forma de reduzir custos e acelerar as pesquisas", explica Cabral. Neste segmento, a empresa já mantém parceria com 35 companhias.

A situação é um pouco diferente nas pesquisas com genoma do café, ainda concentradas em mãos estatais. O programa de seqüenciamento do genoma foi desenvolvido por 40 institutos de pesquisa, liderados pela Embrapa. Entre 2004 e 2006, o projeto teve R$ 6 milhões em recursos da Finep.

Mas a exceção confirma a regra, e para os próximos três anos o valor caiu pela metade. Carlos Colombo, coordenador do projeto no IAC, diz que a verba será destinada ao desenvolvimento de variedades mais produtivas, mais precoces, com resistência a doenças ou com sabor diferenciado.