Título: "Maior prejuízo do PFL foi sua aliança com o PSDB", diz Arruda
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2006, Política, p. A6

Único governador eleito pelo PFL em outubro, o deputado José Roberto Arruda afirma que herdará no Distrito Federal um "governo anacrônico, inchado, pesado" e sem recursos para investir. Pretende cortar cerca de metade das 36 secretarias, reduzir drasticamente os 17 mil cargos em comissão e captar recursos no exterior para cumprir a meta de investir R$ 2 bilhões a cada ano de mandato.

A eleição do pefelista, que teve como símbolo de campanha um ramo de arruda (planta popularmente adotada para afastar a má sorte), é cheia de simbolismos. Ele retorna ao cenário nacional após renunciar ao mandato de senador em 2001, por envolvimento na violação do painel eletrônico na sessão em que o ex-senador Luiz Estêvão foi cassado. Arruda retomou a carreira em 2002, sendo eleito deputado federal com a maior votação proporcional do país, mas teve discreta atuação na Câmara, voltada aos interesses locais.

Ex-tucano, Arruda responsabiliza o PSDB pelo fraco desempenho do PFL nas urnas. Como principal vitrine pefelista a partir de 2007 - ao lado dos prefeitos do Rio, César Maia, e de São Paulo, Gilberto Kassab -, Arruda promete um "governo exemplar". Apesar de seu partido fazer dura oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Arruda pretende manter com o Palácio do Planalto, além da relação institucional, uma convivência "cordial". A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Qual o tamanho do Estado que o senhor vai administrar?

José Roberto Arruda : O governo envelheceu apesar de a cidade ser nova. É um governo anacrônico, muito grande, pesado, com um custo de manutenção muito alto e com poucos recursos para investimentos. Só para se ter uma idéia, temos 36 secretarias. No primeiro momento, achamos possível reduzir pela metade. Vamos fazer também fusão de alguns órgãos, extinção de algumas empresas.

Valor: Nessas 36 secretarias há muito para cortar?

Arruda :Tem coisas esdrúxulas do tipo: uma secretaria do Trabalho e outra de Assuntos sindicais. Tem uma secretaria de Obras e uma agência de Obras com status de secretaria. Ninguém sabe o que uma faz e o que a outra faz. Não há razão para isso. Tem uma secretaria de Ação Social e uma de Solidariedade, cada uma com metade dos programas sociais do governo. São duplicidades evidentes. Além disso, há racionalizações a serem feitas. Vou dar um exemplo. O governo do DF, para uma população de 2,3 milhões de habitantes tem 17 mil cargos em comissão.

Valor: O senhor já definiu o corte dos cargos comissionados?

Arruda : Pretendemos reduzir custos, diminuir os gastos, racionalizar os recursos para investirmos mais. Brasília tem grandes desigualdades, com áreas extremamente bem cuidadas, como o Plano Piloto, mas áreas extremamente pobres, sem saneamento básico, sem infra-estrutura, como é o caso de Águas Lindas, Estrutural e Itapuan. Temos favelas.

Valor: Esse inchaço da máquina ocorreu no governo de Joaquim Roriz (eleito senador pelo PMDB)?

Arruda : Isso foi ao longo dos últimos 20 anos. É uma soma de governos assistencialistas e com estruturas patrimonialistas. E de sistemas políticos que privilegiam a sua continuidade através do inchaço da máquina pública. Nenhuma política pública é mais eficiente para a manutenção de um grupo político no poder do que trazer as pessoas para a estrutura de poder. Em muitas repartições públicas o número de cargos em comissão é bem maior de que o número de funcionários concursados. Quer dizer, o número de caciques é maior que o número de índios. O número de servidores concursados gira em torno de 80 mil. Com mais 17 mil em cargos de comissão já é um exagero.

Valor: Além das secretarias de estado, há quantas administrações regionais?

Arruda : São 29 regiões administrativas. Cada uma tem uma administração que funciona como se fosse uma prefeitura. Lago Norte é um, Lago Sul é um e plano piloto é outro.

Valor: O senhor esteve com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Pretende importar o choque de gestão dele?

Arruda Há exemplos positivos no governo de Minas, mas não apenas lá. A Prefeitura de Porto Alegre está cheia de exemplos interessantes de eficiência. Em Sergipe e nas prefeituras de São Paulo e do Rio também. No caso de São Paulo, o sistema de gestão do tesouro é exemplo para o Brasil inteiro. É um sistema tecnologicamente moderno, com índices de avaliação de receita por região e por atividade econômica, que praticamente evita fraudes.

Valor: O senhor citou heranças assistencialistas porque pretende acabar com os programas sociais?

Arruda Eu não deixaria de ter programas sociais que atendem à população mais pobre. Agora, você não pode transformar o cargo público e o emprego público numa assistência social. O que está havendo no caso de Brasília, e eu diria até no governo federal, é fazer de determinados empregos públicos uma forma de programa assistencialista. Nós temos 74 programas sociais. Pretendo modernizá-los. Vou discutir a eficiência de cada um deles. Por exemplo: em vez de levar o pão e o leite na casa do sujeito, eu posso dar um cartão para ele tirar na padaria mais próxima o pão e o leite.

Valor: Mas Brasília não é tida como o lugar que tem melhor qualidade de vida do país?

Arruda Brasília tem a melhor qualidade de vida no Plano Piloto e a pior, por exemplo, em Itapuan, Águas Lindas e Estrutural (cidades satélites), cidades entre as mais pobres brasileiras. Brasília é um retrato 3 x 4 do mapa das desigualdades sociais urbanas.

Valor: O que pode ser feito para melhorar esse quadro?

Arruda Quero fazer vilas olímpicas como as do Rio nas regiões mais pobres. Quero, em parceria com a Universidade de Brasília, descentralizar o campus e levar a universidade pública e gratuita para as cidades mais pobres. Brasília precisa urgentemente melhorar seu sistema de transporte . A cidade foi desenhada de tal maneira que o homem tem cabeça, tronco e rodas. Brasília tem 2 milhões e 300 mil pessoas, e tem 900 mil carros - é a maior proporção do Brasil. Não há rua pra tudo isso. Então precisamos ter um transporte coletivo mais eficiente.

Valor: Só com o enxugamento da máquina vai ter recurso suficiente?

Arruda Vou a Washington negociar contratos com o Bird e Bid para saneamento e transporte.

Valor: O que aconteceu com o PFL, que elegeu apenas um governador e perdeu estados importantes, principalmente no Nordeste?

Arruda O maior prejuízo que o PFL teve nessas eleições foi a sua aliança com o PSDB. Foi uma relação desigual. Enquanto nós, com extrema lealdade, apoiávamos o candidato nacional do PSDB, o PSDB nos Estados nos atropelava. Eu fui atropelado aqui, o mesmo ocorreu na Bahia e em outros estados. Não houve reciprocidade.

Valor: A relação eleitoral deve acabar?

Arruda Acho que o PFL ficou como apêndice do PSDB durante várias eleições. Se quiser crescer como partido e construir bases, tem que encontrar os caminhos de dizer à sociedade que nós temos o maior respeito pelo modelo da social-democracia , mas o nosso modelo é o liberal. É preciso que haja diferenciação de modelos.

Valor: Em 2010 o PFL deve ter candidato próprio a presidente?

Arruda É cedo pra dizer isso. Acho que com reforma política, com cláusula de barreira e verticalização, com a diminuição do número de partidos e fim das legendas de aluguel, nós estamos nos aproximando de um modelo onde cada partido, para continuar existindo, terá que ter candidato em todos os níveis.

Valor: O senhor defende uma agenda própria de governadores, que inclua a reforma tributária, por exemplo?

Arruda Temos que ter uma agenda própria, mas tenho muito medo de falar de reforma tributária, por que ela nunca acontece. Ninguém pára de cobrar imposto de um jeito num dia e no outro passa a cobrar de outro. Eu diria que é possível, nessa agenda, ter aprimoramentos tributários e avanços na reforma política - convenhamos que esta eleição foi melhor do que a anterior: foi a que menos privilegiou poder econômico com a coibição de camiseta, boné, brindes e outras coisas.

Valor: Como será sua relação com o presidente Lula?

Arruda Como governador da capital, sou hospedeiro dos poderes da República. Faço questão de exercer minha missão acima das diferenças partidárias. Isso não significa adesão, cooptação e sim a busca de interesses públicos e de convergência. E, sobretudo, tenho uma missão institucional. O presidente terá aqui todo o conforto, cordialidade respeito, elegância, porque essa é uma missão do governador de Brasília e eu vou exercê-la acima das diferenças partidárias. Agora, sou de um partido de oposição. Estou aberto a encontrar pontos de convergência em torno do interesse público. Nesse momento não sei citar nenhum.

Valor: Qual o orçamento que o senhor vai administrar?

Arruda São R$ 17 bilhões, na verdade, R$ 16,7 bilhões ano. Estamos praticamente com zero de investimentos. Tenho meta de conseguir pelo menos R$ 2 bilhões de investimento por ano para cumprir meu programa de governo. Por isso é que tenho que fazer cortes drásticos nas despesas.

Valor: O senhor vai trazer gente de fora para compor o governo?

Arruda A capital do país exige que eu vá buscar em todo o Brasil os melhores quadros para nos ajudar. Vai ser um governo plural. Já tive altos e baixos. Vivi um episódio que me marcou profundamente, do painel do Senado. Renunciei ao meu mandato de senador, sofri muito, cometi um erro, reconheci-o e paguei muito caro por ele. Não vou perder essa chance que Deus me deu. Aprendi com os meus erros. Quero fazer um bom governo.