Título: De saída dos EUA, Abdenur acredita em extensão do SGP
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2006, Brasil, p. A3

O Congresso dos Estados Unidos deverá aprovar a extensão do Sistema Geral de Preferências (SGP), pelo qual o Brasil exporta cerca de US$ 3,6 bilhões em mercadorias com redução de imposto ao mercado americano, previu o embaixador do Brasil nos EUA, Roberto Abdenur - que recebeu esta semana o comunicado de que será substituído no posto.

O acúmulo de temas na agenda parlamentar e a proximidade do fim dos atuais mandatos aumentam as chances de que os congressistas americanos simplesmente estendam por até dois anos as atuais regras do SGP. "Alguma restrição a produtos brasileiros pode ocorrer, o que afetaria 10% das exportações hoje beneficiadas pelo SGP", calcula Abdenur.

"A exclusão do Brasil do sistema está descartada", garante, ao dizer que mantém um "otimismo cauteloso" em relação ao tema. A manutenção dos produtos brasileiros no SGP é o principal tema da pauta no encontro que o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, terá, nesta segunda-feira, com a Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), Susan Schwab, que tem funções de ministra de Comércio Exterior americana. Abdenur esteve, na quarta-feira, com as autoridades do USTR para pedir colaboração do executivo americano na discussão sobre o Brasil e o SGP no Congresso americano.

O SGP, com término previsto para o fim deste ano, atende a mais de 140 países. O Brasil é, com a Índia, um dos principais beneficiados. Ambos países estão, ameaçados por pressões no Congresso americano, que os acusam de dificultarem as negociações de liberalização comercial e investirem contra os produtores agrícolas americanos na Organização Mundial do Comércio (OMC). Abdenur pediu ao USTR que esclareça aos parlamentares americanos o verdadeiro papel que vem sendo exercido pelo Brasil na tentativa de impulsionar as negociações da OMC.

De acordo com cálculos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), as propostas de restrição do SGP em tramitação no Congresso poderão afetar em US$ 386 milhões as exportações do Brasil, em setores como madeira, peles e até veículos.

O compromisso com o USTR foi a primeira atividade oficial de Abdenur um dia após ter sido comunicado, por telegrama, da decisão do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, de removê-lo do posto - o que foi interpretado em Brasília como o início da movimentação de postos no Itamaraty para o segundo mandato. Segundo interlocutores de Abdenur e Amorim, a relação entre os dois, amigos de mais de 40 anos, estava desgastada por divergências sobre temas de política externa, e ambos não se falam há algum tempo, mesmo por telefone. Foi de um assessor graduado do ministro o telefonema que antecipou a Abdenur a decisão da remoção.

Tanto Abdenur quanto Amorim negam o desentendimento. "A substituição não é política, é administrativa", disse Amorim ao Valor. "É rotineira, decorrente do esgotamento do prazo". Abdenur, que amigos dizem ter se aborrecido com a remoção, garantiu, ao Valor, que a saída era esperada por ele, com o término do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pelas regras administrativas do Itamaraty, diplomatas com dez anos de trabalho no exterior devem regressar ao Brasil - ainda que haja flexibilidade nessa norma, a critério do ministro de Relações Exteriores. O prazo para Abdenur terminou em 2005, pouco após sua nomeação para a representação em Washington. Amorim pediu que continuasse.

Pessoas próximas a Abdenur e a Amorim comentam que as relações dele com o Itamaraty em Brasília se desgastaram por divergências pontuais na condução das relações com os EUA, e no que foi considerada excessiva amabilidade conferida pelo embaixador às visitas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O maior problema, porém, ocorreu em abril, quando Amorim irritou-se com comentários feitos por Abdenur, ex-embaixador na China, que, em seminário no Brasil, criticou a "visão romântica" da China como país subdesenvolvido e apontou a agressividade do país como potência comercial.

O comentário foi repetido por críticos da política externa e da aproximação com a China. Abdenur, em telefonemas com Brasília, garantiu ter sido citado fora de contexto, e lembrou ter sido um dos primeiros diplomatas a promover uma "parceria estratégica" com os chineses. Mas o mal-estar foi criado.

Na quarta-feira, falando por telefone, de Washington, Abdenur fez questão de listar os avanços nas relações entre Brasil e Estados Unidos e garantiu manter relações de amizade com Amorim, a quem acompanhou na última visita do ministro a Nova York. Ele deve deixar a embaixada em janeiro, e pretende se aposentar da carreira diplomática, para exercer atividades privadas no Rio de Janeiro.

Com entusiasmo, Abdenur comentou a proximidade das visitas, a Washington, dos ministros Furlan e Fernando Haddad (da Educação), e, como exemplo do "momento feliz" por que passam as relações entre Brasil e EUA relatou que, em recente jantar com o presidente George Bush, o americano o saudou perguntando, sorridente, se Lula iria ganhar as eleições.

Em 2007, o órgão financiador de pesquisas americano destinará aos pesquisadores brasileiros, bolsas e financiamentos de US$ 600 milhões, dos US$ 3,5 bilhões que destinará a instituições estrangeiras; e, em breve, autoridades do setor de energia visitarão o Brasil para discutir o aprofundamento da cooperação entre os dois países, citou Abdenur, que lembrou o trabalho intenso e bem-sucedido da embaixada na preparação das visitas de Lula aos EUA e de Bush ao Brasil.