Título: EUA acenam com corte extra de US$ 5 bi
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2006, Brasil, p. A4

Os Estados Unidos sinalizaram que podem limitar a US$ 17 bilhões o volume de seus subsídios agrícolas domésticos, em discussões informais com alguns países sobre a retomada da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso significa corte adicional de US$ 5 bilhões nas subvenções americanas que mais distorcem o comércio, em comparação a sua proposta oficial de ter direito a dar US$ 22,4 bilhões, que causou enorme resistência por parte dos outros países na OMC.

Washington exige como contrapartida que parceiros como a União Européia (UE) aceitem reduções mais ambiciosas nas tarifas agrícolas (por exemplo, de 59% na média, bem acima dos 51% propostos pelo G-20, o grupo liderado pelo Brasil). Desde a suspensão da negociação global, em fins de julho, os principais países continuaram reuniões, agora sigilosas, sobre as bases para retomar Doha. O resultado da eleição americana, da semana que vem, terá evidente influência sobre essa decisão. Mas as discussões entre os principais países pavimentam a direção de qualquer acordo futuro, em 2007 ou mais tarde na OMC.

Por isso, certos negociadores mostram-se animados com a sinalização americana. Washington, porém, dificilmente tomará uma iniciativa isolada. Sempre que um país sinaliza com concessão, os outros a embolsam e cobram mais, dizendo ser insuficiente. Assim, a expectativa é de que, se e quando houver algum sinal de entendimento, o anúncio será conjunto.

Em todo caso, Washington está longe de convencer os parceiros. Primeiro, porque oferece limitar seus subsídios a um montante que na prática não corta nada do que dá a seus agricultores atualmente. Pelas regras em vigor, quando o valor de subsídios não distorce o comércio, entra na categoria do "de minimis", cujo montante pode chegar a 5% do valor da produção agrícola para país rico e 10% para nação em desenvolvimento.

Ocorre que os americanos não usam a categoria de "de minimis" específico por produto, para o qual pedem direito de conceder US$ 4,8 bilhões por ano. É que Washington subsidia pesadamente sobretudo cinco produtos - soja, algodão, trigo, milho e arroz - com montantes que quase sempre superam o "de minimis" e entram em outra categoria. Para haver corte efetivo nos subsídios americanos, a UE quer limite de US$ 15 bilhões, e o G-20, de US$ 12 bilhões.

Além disso, exportadores agrícolas, como o Brasil, querem restringir os subsídios por produto específico. "Não se pode permitir que os americanos dêem mais subsídios do que no passado à soja e ao algodão, por exemplo", diz Luiz Cláudio Carmona, do Ministério de Agricultura. Por sua vez, negociadores da UE descartam concessões adicionais em acesso ao mercado. Peter Mandelson, o comissário da UE, vem sendo criticado por já ter aceitado corte tarifário de 50% comparado à proposta original européia de 39%. "Mandelson está no limite do mandato dado pelos governos", diz uma fonte de Bruxelas, sinalizando que o comissário pode "se dar mal" se for além das concessões já feitas.

Em Nova York, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, conclamou EUA, UE e Índia a buscarem o equilíbrio entre subsídios domésticos e tarifas, para tentar desbloquear a negociação. Lamy espera receber algum sinal de democratas e republicanos sobre o futuro de Doha.