Título: Negociação do gás recomeça e Bolívia quer reajuste de 25%
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2006, Brasil, p. A4

Na próxima semana a Petrobras inicia a mais complexa e potencialmente arriscada negociação com o governo de Evo Morales na Bolívia. Foi transferida do Rio para La Paz a última rodada de negociações que começa dia 6 e vai até 10 de novembro. Na pauta, o preço do gás importado pela estatal e que atende grande parte do mercado do Brasil, incluindo São Paulo.

Os bolivianos querem aumento de cerca de 25% no preço, de aproximadamente US$ 4 a US$ 4,10 na fronteira da Bolívia, para US$ 5 o milhão de BTU. Nesse caso, a companhia teria uma despesa adicional da ordem de US$ 250 milhões. Como não poderia absorver esse aumento sem repassar o custo, o resultado pode ser uma elevação dos preços do gás vendido para consumidores no Brasil, notadamente industriais.

A direção da Petrobras vem afirmando, em coro, que não aceita aumento de preços, já que a fórmula atual estaria adequada ao mercado internacional. O presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli não vê necessidade de qualquer aumento no preço. "O contrato de exportação já acompanha uma cesta de óleos combustíveis e está em linha com o mercado internacional", frisou o executivo.

Essa é também a avaliação do diretor da área de Gás e Energia, Ildo Sauer, que repete o que diz desde o início das negociações. "Não há ambiente e nem necessidade de aumentar o preço do gás. Não espero nenhuma novidade (na semana que vem) e espero que o processo de negociação acabe dia 10", afirma Sauer, ressaltando que os contratos de exploração de gás e os de comercialização no Brasil "não se comunicam".

Em relatório assinado pelos analistas Emerson Leite e Vinicius Canheu, o banco Credit Suisse calcula que o novo preço do gás é de US$ 3,37 por milhão de BTU na "cabeça do poço" na Bolívia, depois dos impostos, e sem incluir os custos de transporte pelo gasoduto da GTB, e no Brasil pela TBG, que opera o Gasbol. Com o transporte, o gás chega a São Paulo por US$ 5,20 e a esse preço são acrescidas as tarifas das distribuidoras locais.

Emerson Leite disse esperar que a Petrobras continue comprometida com os termos do contrato (que prevê a variação com base nos preços de uma cesta de óleos no mercado internacional), esperando ainda que a companhia "use os recursos possíveis, inclusive de arbitragem, para preservar os preços do contrato". Isso porque, nas atuais condições, diz o relatório, o preço do gás boliviano em São Paulo não está distante dos preços spot no "Henry Hub", em referência ao mercado americano, onde é comercializado gás no atacado.

O Credit Suisse faz uma análise dos efeitos, para os operadores dos campos de San Alberto e San Antonio - Petrobras, Andina (da Repsol) e Total - dos contratos de exploração e produção recentemente assinados. Segundo cálculos dos analistas, os operadores poderão recuperar custos de US$ 316 milhões por ano e ainda ter uma margem de lucro de US$ 104 milhões/ano, dos quais 35% correspondem à Petrobras considerando sua participação nos dois campos. O cálculo foi baseado no atual volume de produção de ambos, que soma 23,8 milhões milhões de metros dia. Já o governo da Bolívia, incluindo os ganhos da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) recebe, limpos, US$ 600 milhões por ano somente dos dois maiores campos do país.

Segundo Emerson Leite, esses valores negociados no contrato estão próximos da remuneração média obtida desde o início da operação dos campos, em 1999, até hoje mas a situação pode piorar se o petróleo cair para US$ 30 o barril no mercado internacional.

"O problema é que a média dos preços do petróleo atualmente, de U$ 60 por barril, não é igual à média dos preços do óleo durante a vida do contrato até agora, que ficou em US$ 35 por barril. Se os preços do óleo caírem para cerca de US$ 30 o barril brent, e consequentemente óleo combustível e os preços do gás boliviano também caírem, acreditamos que a margem de lucro desaparece, apesar de a Petrobras ainda poder recuperar custos operacionais", escreveram os analistas.

Mesmo assim, o resultado é melhor do que quando a Bolívia queria cobrar taxas de 82%, o que segundo o Credit Suisse deixaria os sócios com apenas US$ 0,61 por milhão de BTU para recuperar custos operacionais. Isso implicaria em perda potencial de pelo menos US$ 0,39 por milhão de BTU ou US$ 120 milhões por ano.

Após a negociação sobre o preço do gás no contrato de venda para o Brasil, a Petrobras tem uma terceira batalha pela frente: negociar uma indenização para dar o controle das duas refinarias que controla na Bolívia para a YPFB. A YPFB aguarda avaliação externa sobre o preço desses ativos.