Título: Investidor estrangeiro desembarca no NE
Autor: Prestes, Cristine e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2006, Empresas, p. B3

Os investidores estrangeiros, protagonistas do forte crescimento do turismo na Bahia e em Pernambuco - Estados que historicamente atraem a maior parte dos investimentos neste setor no Nordeste -, agora voltam seus esforços também para os vizinhos. Aos onipresentes portugueses e espanhóis uniram-se também os escandinavos. Juntos, eles investem bilhões em empreendimentos turísticos no Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.

Com 96 projetos em andamento ou na etapa de licenciamento ambiental, a indústria turística potiguar receberá US$ 1,3 bilhão em investimentos nos próximos cinco anos, segundo um levantamento do governo estadual. O Estado do Ceará contabiliza 13 empreendimentos planejados e aportes de R$ 2,7 bilhões. E Alagoas atraiu 12 empreendimentos que, somados, representam US$ 500 milhões.

O salto do Rio Grande do Norte começou a se desenhar na última década. Há dez anos, o Estado recebeu apenas 25 mil visitantes estrangeiros, volume que multiplicou-se por 14 até atingir os atuais 350 mil. Em 2005, recebeu 2,085 milhões de turistas, um contraste com os pouco mais de 900 mil de dez anos atrás. O setor turístico empregava 40 mil pessoas há dez anos, ou três vezes menos do que os atuais 120 mil empregos.

O Estado sustenta ainda a liderança entre os vôos charter (fretados) que chegam do exterior. Segundo a Embratur, entre janeiro e setembro, 65,9 mil estrangeiros chegaram ao Rio Grande do Norte nesses vôos - um em cada cinco turistas que chegaram ao país por vôos charter nesse período desembarcaram em Natal. O Rio de Janeiro, na segunda posição nesse ranking, registrou 6,7 mil pessoas a menos.

Além de ser mais próxima da Europa do que as outras capitais nordestinas, Natal apresenta-se como uma cidade tranqüila, se comparada com destinos como Recife e Salvador, segundo os empresários locais e os dirigentes do setor ligados ao governo. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2005 apontou a cidade como a mais segura entre as capitais do país, com o menor índice de assassinatos entre todas. "É uma capital com jeito de cidade do interior", diz o secretário estadual de Turismo, Renato Fagundes Garcia. A frase do secretário é repetida por empresários e habitantes.

"Foi por lazer, quase que uma aventura", conta o português Paulo Parreira sobre a iniciativa dele e de mais três empresários de entrar no ramo hoteleiro no Rio Grande do Norte. Há dez anos, eles uniram-se para comprar um hotel em Tibaú do Sul, o Village Natureza Beach. O negócio, que começou quase como diversão, rendeu frutos e o grupo, formado por empresários não ligados à indústria hoteleira, já desenha novas etapas para sua expansão. A primeira, inaugurada no ano passado, é o Village Natureza Dunas. Parreira é o gerente geral dos dois hotéis. O grupo, que não revela o montante investido nos projetos, deu preferência a hotéis de menor porte, mas "mais especializados", diz ele.

A maior parte da clientela dos hotéis administrados por Parreira também é de europeus. Ainda assim, ele faz uma ressalva com a estratégia de atração de visitantes adotada pelo Estado. "Prefere-se atrair o turista português, mas Portugal tem apenas um milhão de pessoas que costumam viajar, com uma taxa baixa de retorno ao destino. Não há promoção nem aposta no mercado argentino, que é aqui do lado."

Pouco se aposta também na Espanha, que tem entre 30 e 40 milhões de viajantes, avalia Parreira. Ele diz que o grupo de empresários do qual faz parte pretende tomar a dianteira para atrair os espanhóis, a exemplo do que fizeram com os portugueses, no início da década. A estratégia será centrada especialmente em inserções publicitárias em revistas espanholas sobre celebridades.

Até que a aposta no mercado da Espanha renda frutos, os portugueses continuam a desembarcar no Estado. Desde o ano passado, a companhia aérea TAP oferece cinco vôos semanais entre Lisboa e Natal. A partir de hoje, o número de vôos semanais da companhia entre as duas cidades passará a ser de seis. O governo estadual investiu ainda em merchandising na TV portuguesa. Neste ano, as praias da Pipa e Genipabu, a 25 quilômetros de Natal, serviram como locação de "Morangos com Açúcar", telenovela voltada ao público juvenil exibida em horário nobre pela TVI.

Investidores e turistas portugueses ainda são maioria, mas o cenário tende a mudar. O mercado imobiliário do Rio Grande do Norte tem atraído o interesse também de seus vizinhos ibéricos, assim como dos países escandinavos. O espanhol Alvaro Darpont é um exemplo. Ele está construindo o Pipa Hills Resort, na praia da Pipa, a cerca de 80 quilômetros de Natal. Darpont uniu-se a outros quatro empresários espanhóis, que, em dezembro do ano passado, iniciaram as obras do empreendimento. O Pipa Hills é um condomínio com 47 casas que ocupa 42 mil metros quadrados de área. Segundo ele, as unidades têm sido compradas tanto por pessoas interessadas em ter uma residência de praia quanto por empreendedores que as negociarão no futuro. "Há brasileiros nos procurando, quase todos paulistas, mas a maioria das vendas, cerca de 80%, é feita para europeus", afirma.

As obras têm conclusão prevista para maio do ano que vem. Ainda assim, o grupo do qual Darpont faz parte já comprou um outro terreno em Tibaú do Sul, município em que está localizada a praia da Pipa. O projeto para o novo empreendimento ainda não foi definido, mas, animados com a demanda, os empresários pensam agora em construir um hotel no local.

"O Rio Grande do Norte é o Estado brasileiro que está recebendo mais investimentos estrangeiros em todo o Brasil", diz o advogado Urbano Vitalino Neto, sócio do escritório de advocacia Siqueira Castro - Advogados nos Estados do Nordeste. A banca assessora, com "due dilligences", dois grupos estrangeiros - um português e um espanhol - que estão na disputa por grandes áreas no Estado, mas ainda mantidos em sigilo por Vitalino.

Entre os Estados que lideram os investimentos estrangeiros está também o Ceará, com uma previsão de R$ 2,7 bilhões distribuídos em 13 empreendimentos em implantação. Desses, nada menos do que 12 são de grupos estrangeiros - todos espanhóis e portugueses. A secretaria estadual de turismo estima que eles devem gerar a criação de 12.660 empregos diretos. Ao todo, eles serão instalados em 54,2 milhões de metros quadrados.

O maior empreendimento em implantação no Ceará é a Cidade Turística Nova Atlântida, que pretende ser uma espécie de "Cancún brasileira", instalada em uma faixa de 12 quilômetros de extensão da Barra do Rio Mundaú à Praia da Baleia, no município de Itapipoca, ao norte de Fortaleza. Estão previstos, apenas na primeira fase, 14 hotéis e 13 resorts, uma marina e três campos de golfe - um investimento de R$ 2,4 bilhões. De acordo com Frank Roman, diretor geral do grupo Nova Atlântida, o gigantesco projeto está na fase de construção de infra-estrutura de acesso, implantação da rede elétrica e de canalização de água. "O local é um areal, não há uma viva alma, e hoje o acesso só é possível pela praia", diz. O grupo, que pertence à família espanhola Ripoll, tradicional investidora do ramo imobiliário de Ibiza e que possui empreendimentos em Cancún, no México, e em Punta Cana, na República Dominicana, entre outros, fechou parcerias com bancos e fundos de investimentos no início deste ano e agora está na fase de captação dos recursos. A previsão de término da primeira fase da cidade turística é de oito a dez anos.

A Cidade Turística Nova Atlântida já obteve o licenciamento ambiental, mas ainda assim enfrenta uma disputa com o Ministério Público, que entrou com uma ação na Justiça para impedir a construção do empreendimento. De acordo com a advogada Rossana Fernandes Riet, sócia da área de direito imobiliário do escritório Tozzini, Freire Advogados, o licenciamento ambiental tem sido um problema em todos os grandes empreendimentos turísticos no país. "Há muitos investimentos só no papel, pois demora-se dois anos para conseguir a aprovação", diz. O escritório trabalha com dois grandes projetos em Fortaleza e arredores, de um grupo espanhol - que pretender investir 40 milhões de euros - e de um português. Os dois serão um mix de hotéis e chalés.

O Estado de Alagoas, com apenas 230 quilômetros de litoral, também está atraindo a atenção dos investidores estrangeiros. De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Arnóbio Cavalcanti Filho, a construção de um centro de exposições e do Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares, inaugurados no ano passado, está impulsionando os negócios no setor de turismo. Segundo o secretário, hoje há 12 grandes empreendimentos turísticos em negociação, que somam investimentos de US$ 500 milhões. O maior deles é o Onda Azul, um projeto franco-canadense de US$ 160 milhões. O empreendimento inclui hotéis e apartamentos no litoral norte, em Morro de Camaragibe, e está previsto para ser inaugurado já no ano que vem.

Até mesmo Sergipe, que desde 2004 não recebia investimentos de vulto, tem atraído novos empreendimentos. A CVC pretende começar a construir no ano que vem um resort na praia do Mosqueiro, em Aracaju, no encontro do oceano com o rio Vaza Barris. O projeto prevê 270 apartamentos e 50 bangalôs, dez deles sobre a água. O investimento será de ao menos R$ 60 milhões - incluindo campo de golfe, um centro de convenções de cinco mil metros quadrados. O grupo sergipano EJS, por sua vez, deve inaugurar no próximo mês a primeira etapa da reforma do Resort Barra, localizado em Barra dos Coqueiros, ao lado de Aracaju. O empreendimento terá 90 apartamentos, 30 chalés, três suítes presidenciais e centro de convenções para 1.400 pessoas.