Título: EUA acenam com possibilidade de Doha ser concluída em 2008
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2006, Brasil, p. A4

O novo número dois do USTR, a agência de representação comercial dos Estados Unidos, John K. Veroneau, acenou ontem com um cenário otimista a alguns parceiros na Organização Mundial do Comércio (OMC): a possibilidade de concluir a Rodada Doha no começo de 2008.

Em sua primeira viagem a Genebra como o segundo principal negociador comercial americano, Veroneau condicionou essa possibilidade a progressos substanciais até março, basicamente, para evitar o fiasco da negociação global de liberalização

Em encontros discretos, ele sublinhou que o fato de os democratas passarem a controlar o Congresso é menos determinante para a extensão do Trade Promotion Authority (TPA), do que um pacote ambicioso proximamente na OMC para cortar tarifas agrícolas e industriais e subsídios agrícolas.

O TPA, autorização que o Congresso americano dá ao Executivo para negociar acordos comerciais, expira em julho do ano que vem. Mas Veroneau procurou desdramatizar a situação. Segundo ele, os democratas estão prontos a trabalhar para avançar a rodada. E afastou a hipótese de que esse partido imporá condições inaceitáveis para prorrogar a autorização para a Casa Branca continuar a negociar a Rodada Doha.

Durante um almoço com embaixadores da União Européia, Brasil, Índia, Austrália e Noruega, o representante do governo Bush esboçou o que é visivelmente o cenário favorecido pela Casa Branca: até março os países devem quebrar o impasse, concordando num pacote agrícola, sobretudo. Com isso, os democratas teriam dificuldades para não prorrogar o TPA.

Com a extensão desse mecanismo por um determinado tempo, os países completariam então no segundo semestre a negociação completa das modalidades, ou seja, percentuais e outras condições da liberalização agrícola e industrial. E no primeiro semestre de 2008 a Rodada Doha seria encerrada.

Mas Veroneau alertou para o cenário pessimista: a possibilidade de não funcionar a extensão do TPA, engavetando de vez a rodada na OMC. Só em novas bases haveria uma retomada de negociação global de liberalização, provavelmente em 2009, como costumam alertar fontes da União Européia.

Veroneau sinalizou que mesmo um TPA modificado, com temas caros aos democratas, como normas sociais e ambientais, não afetará a agenda da Rodada Doha. Esses temas visam mais acordos comerciais bilaterais do que para a negociação multilateral. Também destacou que se uma nova "Farm Bill", a lei agrícola, for aprovada no ano que vem, poderá ser depois modificada para incorporar o resultado da negociação da OMC.

O representante do USTR cobrou concessões. Disse que não existe algo na mesa de negociação, no momento, que conduza ao cenário de 2008. Embaixadores retrucaram que os Estados Unidos são parte do problema. Portanto, espera-se de Washington uma oferta de corte mais profundo dos subsídios agrícolas domésticos que mais distorcem o comércio.

Certos negociadores saíram aparentemente contentes com suas explicações sobre como negociar com os democratas, para permitir o prosseguimento da Rodada Doha. Ele já trabalhou no USTR no começo da administração Bush, justamente negociando no Congresso.

Não há nada de concreto atualmente na OMC que permita o fim do impasse agrícola. O mediador dessa negociação, o neozelandês Crawford Falconer, fala em "sinais". Os EUA cobram dos europeus e indianos mais corte de tarifas. Esses exigem mais corte de subsídios domésticos americanos. O Brasil quer concessão de todos os lados e se diz pronto a negociar.

O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, anunciou a retomada "técnica" da rodada, logo depois da recente vitória dos democratas nos EUA. Mas o G-20, o grupo liderado pelo Brasil, insiste que isso é importante, mas insuficiente. Se não há decisões políticas, tampouco há como avançar tecnicamente. Para o G-20, os EUA e a UE devem se mover. Para esses, o G-20 também tem sua parcela de responsabilidade.

O prazo original para a Rodada Doha ser concluída era o fim de 2005. A única coisa certa até agora nessa negociação, porém, é que nenhum prazo foi respeitado.