Título: Desafio do combate à criminalidade organizada
Autor: Moraes, Alexandre de
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2006, Opinião, p. A12

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, terá um grande desafio: criar um plano de combate ao crime organizado. Para isso, deve investir na cooperação policial e judiciária entre as diversas esferas, com a adoção de padrões instrumentais de combate à criminalidade organizada, buscando a diminuição drástica e necessária da corrupção e da impunidade.

Importante dado revelado por duas importantes pesquisas (março e outubro de 2005) realizadas no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, pela AMB - Associação dos Magistrados do Brasil - demonstrou a identificação exagerada que a população faz sobre a ingerência do presidente da República no Poder Judiciário. Dessa forma, para 58,8% (primeira onda) e 46,8% (segunda onda) da população, o Presidente da República tem poder legal para mandar na justiça brasileira, e, consequentemente, é co-responsável pelos seus defeitos. Para 2/3 da população a composição do Poder Judiciário não é clara, confundindo-se suas atividades com as atividades governamentais. Além disso, cerca de 42% da população identifica a Polícia como órgão do Poder Judiciário.

Isso demonstra, que a população exige maior entrosamento dos diversos órgãos governamentais no combate à criminalidade organizada, impunidade e corrupção, e, consequentemente, há a necessidade de maior União dos poderes Executivo (ministério da Justiça e Polícia Federal) e Judiciário, bem como do ministério Público.

O combate à criminalidade organizada e transnacional vem sendo aperfeiçoado nos diversos países europeus e americanos, uma vez que as antigas formas de investigação, atuação e interação polícia/justiça demonstraram total ineficácia para sua repressão.

Em 28 de fevereiro de 2002, o Conselho da União Européia instituiu a "Eurojustiça", para reforçar o combate e controle às graves formas de criminalidade organizada (2002/187/GAI).

Trata-se, em breves palavras, da criação de um órgão transnacional de cooperação judiciária/policial entre os diversos Estados da União Européia para o combate à criminalidade organizada e transnacional, com a melhora e efetivação da cooperação policial e judiciária entre as diversas esferas, com a adoção de padrões instrumentais de combate à criminalidade e autonomia financeira (o financiamento é feito pela própria UE).

Entre outros importantes pontos, se fortalece a cooperação entre Polícia, ministério Público e Judiciário, bem como os modernos mecanismos de investigação - principalmente em relação à inteligência, combate à lavagem de dinheiro e recuperação de ativos financeiros.

Em seu artigo 4º, o Ato do Conselho prevê como competência da "Eurojustiça" todos os crimes de competência da Interpol, a criminalidade de informática, as fraudes, corrupções e quaisquer outros golpes financeiros contra a Comunidade Européia, a lavagem de dinheiro, a criminalidade ambiental, a participação em organizações criminosas e outras formas de criminalidade organizada.

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Essa medida européia deixa evidente a necessidade de união de esforços para o combate à criminalidade organizada, não se justificando, nos dias atuais da realidade brasileira, a atuação separada e estanque de cada uma das polícias federal, civil e militar; bem como, seu total distanciamento em relação ao ministério Público e do Poder Judiciário. Se a união de esforços foi possível em países europeus soberanos, nada justifica sua inexistência em um Estado federativo como o Brasil.

Dessa forma, entendo justificável, no Brasil, a criação de uma Agência Nacional para o Combate à Criminalidade Organizada, na forma de autarquia de regime especial, integrante da administração indireta, vinculada ao ministério da Justiça, porém para tratar dessa específica atividade, caracterizada pela independência administrativa e financeira, além da possibilidade de estabelecimento de planos plurianuais de combate à criminalidade organizada (da mesma maneira, analogicamente, das previsões diretas no texto constitucional da Anatel e da ANP, com referência expressa à função de "órgão regulador", contida nos artigos 21, XI e 177, § 2º, III; além da previsão do CNJ e do CNMP, nos artigos 103-B e 130-A).

A importância da criação dessa Agência Nacional para o Combate à Criminalidade Organizada, que não se confundiria com a Polícia Federal, seria a possibilidade de requisitar servidores dos outros poderes e outros órgãos, bem como ter representantes indicados dos ministérios Públicos da União e dos Estados e das secretarias de Segurança e Justiça de cada um dos Estados, para planejamento estratégico nacional e não somente federal e, um contato direto com os presidentes de Tribunais e com os juízes de 1º e 2º graus que atuam no combate à criminalidade organizada.

Juridicamente, bastaria a alteração do artigo 144 da Constituição Federal, criando a Agência Nacional para o Combate à Criminalidade Organizada, e regulamentando-a em um de seus parágrafos. Após isso, seria editada lei específica, nos moldes da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000.

Ao defini-la como Órgão de Direção Nacional, poderia fixar diretrizes para o combate ao crime organizado, com a participação dos Estados-membros, sem que houvesse qualquer ferimento ao Pacto Federativo, da mesma forma como foram criados os Conselhos Nacional de Justiça e do ministério Público, cujo compromisso nacional e respeito à Federação foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal.

A Agência Nacional para o Combate à Criminalidade Organizada teria como competência constitucional o planejamento geral e a fixação de metas para o combate da criminalidade organizada e transnacional e dotada de autonomia financeira, poderia ser previsto a obrigatoriedade do cumprimento de determinadas metas pelos Estados-membros, para que recebessem repasses orçamentários destinados à área da Segurança.

A Agência realizaria a integração de um sistema de dados, estatísticas e informatização de todas as Polícias, ministérios Públicos e Poder Judiciário, controlando eletronicamente todas as investigações, desde a abertura do B.O. ou do inquérito, até as progressões e cumprimento das penas, pois o momento é de somar esforços, de maneira inteligente e sem vaidades, para combater a chaga do crime organizado.

Alexandre de Moraes é membro do Conselho Nacional de Justiça. Professor doutor e livre-docente da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor de diversos livros, entre eles "Direito Constitucional", "Constituição Interpretada e Legislação Constitucional", "Direitos Humanos Fundamentais e Legislação Penal Especial".