Título: Fundo se reforma, apesar do Brasil ::
Autor: Almeida, José Roberto de
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2006, Opinião, p. A13

Na reunião anual do Fundo Monetário-Banco Mundial, em setembro último em Cingapura, foi aprovado um pacote de mudanças no Fundo, que no dizer do International Herald Tribune de 13/9/06 foi a reforma mais importante desde a criação da instituição. O pacote é complexo e as discussões apenas se iniciam, mas a governança do Fundo está, finalmente, em processo de mudança. A governança é determinada pelo valor relativo das quotas subscritas, já que essas determinam o poder de voto. E a governança vai mudar a favor dos países em desenvolvimento.

É dificílimo reformar o Fundo, uma vez que reformas significativas requerem uma maioria de votos de 85%, mas o projeto de resolução foi tão bem feito que mereceu o apoio de 156 dos 164 membros, com 91% do poder de voto, com a oposição significativa do Brasil, Argentina e Índia.

Todos concordam que é necessário modificar a sistemática de cálculo das quotas do Fundo, que é baseada em um complexo, confuso e opaco sistema de 5 fórmulas matemáticas que levam em conta preponderantemente as flutuações do movimento de capitais e receitas correntes internacionais e do grau de abertura da economia. O volume de reservas internacionais e o valor do PIB são também considerados nas fórmulas, mas têm menor importância. As fórmulas consideram ainda períodos distintos, que podem ir contra um país, como foi o caso do Brasil, já que considerou, para fins de cálculo do PIB, o período 2002-04, em que o real esteve anormalmente desvalorizado.

O sistema de admissão de países no Fundo prevê a formação de um comitê de diretores executivos para sugerir à diretoria-executiva o valor da quota do novo membro. Os técnicos do Fundo indicam a quota matemática do país, mas o Comitê encara-a como um fator apenas na determinação da quota efetiva, já que pouco quer dizer em termos econômicos e muito menos em termos políticos. Tanto a formação do Comitê, quando as fórmulas matemáticas, tendem a premiar o mundo de 1945-55, quando o Fundo foi estruturado. Assim, ainda hoje a Holanda e a Bélgica têm quotas efetivas altíssimas, sendo superiores a do Brasil em 70% e de 52%, respectivamente.

A Índia e a Argentina quando ingressaram no Fundo tiveram forte apoio do então existente Império Britânico e obtiveram quotas efetivas bem superiores às suas quotas matemáticas e ainda hoje esses países têm quotas efetivas de 162% e 250% de suas quotas matemáticas, respectivamente. Mesmo o Brasil, que entrou no Fundo com o forte apoio dos EUA, dado nossa participação ativa na Segunda Guerra Mundial, tem uma quota efetiva de 142% da quota matemática.

As decisões de Cingapura especificam que as novas formulas matemáticas devem ser levar preponderantemente o PIB, e devem dar menos peso a abertura da economia e a variabilidade das receitas cambiais. Prevêem também que as novas fórmulas serão utilizadas para um aumento geral de quotas a ser feito rapidamente.

-------------------------------------------------------------------------------- O Fundo precisa reformar seu sistema de governança para que sua atuação seja significativa e não mero cartório de registros de atos tomados alhures --------------------------------------------------------------------------------

O Brasil em 2005, segundo os dados do Banco Mundial, tem o 10º maior PIB pela taxa de câmbio corrente e o 9º em de poder paritário de compra, o que implicará, no contexto da reforma em andamento, uma melhor posição no Fundo que a presente que é de 17ª em termos de quota. Mas, não é somente a posição relativa do país que nos interessa. O Brasil quer que o Fundo seja atuante no mundo de forma condizente com as posições relativas de todos os membros. O Fundo precisa reformar seu sistema de governança para que sua atuação seja significativa e não seja um mero cartório de registros de atos tomados alhures.

Para poder aprovar-se o pacote tornou-se necessário, politicamente, dar um aumento de quotas para quatro países que têm um diferencial muito forte de suas quotas matemáticas em relação a suas quotas efetivas, ou seja, a Coréia (30% de quota efetiva em relação à quota matemática), China (57%), Turquia (61%) e México (63%). A resolução prevê que o aumento de quotas deve reduzir de 1/3 essas diferenças e como resultado o México passou a ter a maior quota latino-americana com DES 3.152 milhões, ligeiramente superior à brasileira atual de DES 3.036 milhões.

O que é surpreendente é que a reforma do Fundo se fez contra o voto do governo brasileiro. É claro que as fórmulas matemáticas atuais com sua ênfase na variabilidade das receitas cambiais e no comércio internacional punem o Brasil, principalmente em relação à China e ao México. Mas infelizmente elas existem e só podem ser mudadas por consenso internacional, como se está procurando fazer.

Parece certo que a posição do governo brasileiro foi apenas pontual, isto é, votou-se contra por que os quatro citados países terão quotas relativamente maiores a do Brasil, por alguns poucos anos, ignorando que qualquer reforma realista do Fundo possibilitará um maior poder de voto do Brasil em um novo Fundo com uma governança mais adequada, tanto quanto aos problemas multilaterais, quanto aos problemas brasileiros.

Tudo indica que o governo brasileiro agiu paroquialmente, com objetivos de curto prazo. Não foi capaz de convencer o mundo que a reforma proposta era inadequada. Jamais apresentou publicamente uma proposta alternativa, e nem mesmo discutiu no Brasil a proposta de reforma do Fundo. Foi uma pena, por que a tradição financeira brasileira, reconhecendo nossa importância relativa, sempre foi a de trabalhar visando o consenso internacional, nunca pensando em mudar o mundo quase que sozinho. Sempre foi a de agir realisticamente e não ingenuamente como agora.

José Roberto Novaes de Almeida é professor do Departamento de Economia da UnB e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.