Título: Crescimento baixo ofusca avanços, mas analistas vêem melhora no país
Autor: Lamucci, Sergio e Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2006, Finanças, p. C2

O crescimento ainda é insuficiente e a situação fiscal deixa a desejar, mas o Brasil promoveu avanços significativos nos últimos anos, como a queda da inflação, o ajuste externo, a expansão da massa salarial e a melhora na composição da dívida pública. O secretário do Tesouro, Carlos Kawall, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, defenderam essa visão mais otimista sobre a evolução recente do país no seminário "Reavaliação do Risco Brasil", compartilhada em grande medida pelo economista-chefe para a América Latina do Banco Santander, José Juan Ruiz.

Kawall reconheceu que o modelo de ajuste das contas públicas baseado em crescimento simultâneo de gastos e receitas está esgotado, mas ressaltou que o país está longe de uma crise fiscal. Ele destacou a melhora na composição da dívida pública, com o fim da parcela dos títulos corrigidos pelo dólar e o aumento do volumes de papéis prefixados. No primeiro semestre do ano que vem, esses títulos deverão superar a participação de papéis atrelados à taxa Selic, previu.

O seminário foi organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com promoção do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-SP) e apoio da Standard & Poor"s (S&P) e do Valor.

Kawall defendeu a manutenção da meta de superávit primário (a economia do setor público para pagar juros) nos atuais 4,25% do PIB como suficiente para garantir a continuidade da trajetória de queda da relação entre a dívida líquida e o PIB, hoje na casa de 50%. Presente ao evento, o diretor de Mercados Emergentes da Goldman Sachs, Paulo Leme, defendeu a elevação da meta para 5,25% do PIB, por meio do corte de gastos correntes (aposentadorias, pessoal, custeio da máquina e programas como o Bolsa Família).

Kawall admitiu que, dada a magnitude das despesas já contratadas para o ano que vem, não deverá ser possível fazer os gastos correntes crescerem a um ritmo inferior ao do PIB em 2007. Essa proposta - defendida por especialistas em gastos públicos - deverá ficar para 2008. A redução das despesas correntes como proporção do PIB seria importante para aumentar o espaço ara o investimento público e para a redução da carga tributária, segundo Kawall.

Ele aproveitou para defender os gastos sociais do governo, destacando o seu papel na redução da desigualdade. Ele lembrou que o Bolsa Família atende a 11,1 milhões de famílias - "talvez o maior programa social do mundo", - e que cerca de 90% da população com mais de 65 anos recebe benefícios previdenciários. Para ele, esses programas podem ajudar a explicar por que as eleições brasileiras transcorreram num clima tranqüilo, num cenário bem diferente do que ocorreu no México, onde o pleito presidencial dividiu o país.

Meirelles centrou sua apresentação nos benefícios que a inflação mais baixa, estável e previsível proporcionou nos últimos anos. Os analistas esperam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 3,1% em 2006, abaixo do centro da meta, de 4,5%.

Ele enumerou uma série de indicadores positivos, classificando-os como "dividendos da estabilidade". O aumento da massa real de salários pelo terceiro ano seguido, a forte criação de postos de trabalho e o aumento das operações de crédito seriam em grande parte frutos da maior estabilidade.

O presidente do BC também repetiu um de seus mantras favoritos: "A maior contribuição que o BC pode dar ao crescimento é manter a inflação na meta". Para Meirelles, "o BC tem que deixar cada vez mais claro que a inflação brasileira vai estar na meta não apenas neste ano, como no próximo ano, no ano seguinte e nos próximos anos. Isso vai fazer com que aos poucos a taxa de juros convirja para padrões internacionais".

Ele também destacou a robustez das contas externas do Brasil, que reduziu substancialmente a vulnerabilidade do país a choques externos. Meirelles disse considerar importante que o país esteja discutindo, passadas as eleições, como fazer para crescer mais, e não como enfrentar a próxima crise, o que foi a regra nos pleitos anteriores.

Ruiz surpreendeu a platéia com uma visão bastante otimista em relação ao Brasil e à América Latina. Para ele, a situação macroeconômica brasileira vai bem e é de "primeiro mundo". O que impede um crescimento mais forte é a microeconomia, disse, citando o tempo que se leva para abrir uma empresa. Segundo o Banco Mundial, esse processo leva 152 dias no país.

Esses problemas não impedem Ruiz de traçar um quadro positivo para o Brasil e para a América Latina nos próximos anos. Segundo ele, se a região crescer a uma média de 4% nos próximos quatro anos, com inflação sob controle, mais da metade da população poderá ser considerada de classe média.