Título: CVM investiga fundo 'raspa conta' do Safra
Autor: Vieira, Catherine e Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2006, Fiinanças, p. C8

Um serviço comum oferecido pelos bancos, o de aplicar os recursos que os clientes deixam parados na conta corrente, está rendendo dores de cabeça ao Banco Safra. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu um processo administrativo contra a instituição financeira, seu braço de investimentos e alguns de seus executivos por conta de possíveis irregularidades no Safra 60 DI Fundo de Investimento Referenciado DI. O processo da CVM foi aberto este ano e, desde outubro, o fundo não está mais em operação.

O fundo, conhecido no mercado como "raspa conta", era de aplicação automática e, segundo dados do site Fortuna, cobrava taxa de administração de 19% ao ano no fim do ano passado. O cálculo é feito sobre o patrimônio do fundo e não sobre a rentabilidade. A taxa básica de juro do país, a Selic, era em novembro de 2005 de 18,5%, o que quer dizer que praticamente toda a rentabilidade dos recursos aplicados era transferida ao Safra a título de taxa de administração.

Entre as possíveis irregularidades estão o fato de que muitos dos clientes não tinham conhecimento de que seus recursos eram aplicados em um fundo de investimento, que não têm cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Em caso de quebra da instituição financeira, o FGC cobre os valores depositados em conta corrente ou poupança até o limite de R$ 60 mil por CPF. Nos fundos de investimento, não há essa cobertura. Além disso, a taxa de administração do fundo do Safra variava sem a ocorrência de assembléia de cotistas e a política de investimento do fundo não era conhecida pelos clientes.

Procurado, o Banco Safra preferiu não se manifestar. O Valor apurou, porém, que a instituição não concorda com a avaliação da CVM de que o produto de aplicação automática é um produto de investimento e, portanto, sujeito às regras gerais dos fundos. Para eles, quem abre uma conta corrente não o faz com o objetivo de obter rentabilidade e não pode haver imposição de limites à remuneração do administrador.

A CVM tem uma avaliação diferente sobre os fundos "raspa conta" e, no primeiro semestre, manifestou sua preocupação à Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). A entidade entendeu o recado e, no mês passado, discretamente, anunciou que estes produtos não mais estariam elegíveis para clientes pessoa física de varejo, por determinação da própria CVM. A Anbid não se manifestou sobre o caso.

A política de aplicar os recursos parados na conta corrente é antiga, da era da inflação alta. Naquela época, o objetivo era evitar que os recursos fossem corroídos. Hoje, a aplicação rende alguma coisa para os clientes, mas são os bancos os grandes beneficiários. Hoje, as instituições têm obrigatoriamente de depositar 45% dos recursos no Banco Central, sem qualquer remuneração. Eles ainda têm de recolher outros 8%, sobre o qual o BC paga uma remuneração básica. O compulsório é usado no Brasil como instrumento de política monetária, para reduzir a liquidez do sistema financeiro.

De acordo com o vice-presidente de um banco, a alternativa mais comum entre as instituições financeiras é aplicar os recursos do correntista em uma poupança - o compulsório sem remuneração sobre depósito a prazo é menor, de 15%. Na poupança, há também a cobertura do FGC. Mas o Valor apurou que, muitas vezes, a aplicação é vendida como uma "conta poupança", mas, na prática, os recursos são aplicados em um fundo, sobre o qual incide uma taxa de administração. "A cobrança da taxa, em si, não é um problema. O que pode vir a ser é a maneira como é comunicado para o cliente ou o valor cobrado, ou seja, o banco se apropriar de todo esse ganho", diz um especialista no assunto.

Segundo dados levantados no Fortuna, no fim do ano passado havia cerca de 18 fundos que cobravam taxas entre 7,7% e 19,5% ao ano, provavelmente da categoria de aplicação automática. Juntos, esses fundos somavam recursos de cerca de R$ 5 bilhões. O fundo do Safra, por exemplo, oferecia um rendimento de apenas 0,01% no mês, ou seja, quase nada por conta da alta taxa. Como os valores estariam normalmente parados na conta, o cliente geralmente não se dava conta desse movimento, uma vez que era apenas como se o dinheiro "dormisse" no fundo e investimento.

Segundo fonte que acompanha o caso, a Anbid preferiu optar pela via da auto-regulação, acatando o pedido da CVM, estratégia que vem sendo adotada e defendida pela associação nos últimos tempos. Na deliberação nº 29, do dia 20 de outubro, o conselho de auto-regulação da entidade determina que os fundos de aplicação automática ficam limitados a pessoas físicas qualificadas ou a investidores institucionais, estados ou municípios.

Adicionalmente, o conselho alterou a forma de comunicação com os clientes, criando uma categoria específica para esses fundos, separada das demais, e com publicação diária de cotas. O prospecto passou a ser obrigatório, com o seguinte aviso ao cotista: "Este fundo possui aplicação automática de recursos oriundos de conta corrente. Ao admitir a transferência, o investidor renuncia às garantias oferecidas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC)". Os investidores devem ainda assinar termo de adesão que explique os mecanismos de funcionamento do produto.

A CVM confirmou a existência do processo administrativo do Banco Safra, mas informou que não se pronuncia sobre os casos até que ocorra o julgamento. No site da autarquia, a informação é a de que a autarquia prorrogou para a próxima segunda-feira a apresentação da defesa do banco e dos executivos acusados.