Título: Um Estado palestino em até nove meses
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 31/12/2010, Mundo, p. 14

Em visita a Brasília, presidente da Autoridade Palestina revela ao Correio que crê na paz definitiva no Oriente Médio a partir de 2011

Mesmo após enviar cartas a colegas de vários países, inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo o reconhecimento do Estado palestino, segundo as fronteiras de 1967, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, nega que considere tomar qualquer decisão unilateral para criar seu país. Em entrevista exclusiva ao Correio, Abbas disse que seu governo não pretende, até agora, levar um pedido de reconhecimento do Estado palestino às Nações Unidas. Ele demonstrou otimismo de que isso seja alcançado por meio de negociações, em até nove meses. ¿Há indicações internacionais e regionais de que o conflito palestino-israelense terminará em 2011. Se houver uma vontade internacional, o Estado palestino será anunciado em setembro¿, afirmou.

Segundo Abu Mazen, como também é conhecido o líder árabe, as fronteiras de 1967 ¿ equivalentes ao período anterior à anexação dos territórios palestinos por Israel ¿ são ¿inegociáveis¿. No entanto, ele admite que ¿alguns detalhes¿ podem ser discutidos com o governo judeu. ¿Discutimos com os Estados Unidos a questão das colônias e das fronteiras, porém o governo (de Benjamin) Netanyahu se recusou a entrar nesses assuntos. Pensávamos em solucionar essas duas questões para depois entrar em uma fase final do acordo¿, destacou. Abbas, no entanto, disse não abrir mão de Jerusalém Oriental como a capital do Estado palestino. ¿Podemos transformar Jerusalém Oriental e Ocidental em uma cidade aberta, para que os seguidores das três religiões monoteístas possam exercer seus cultos livremente.¿

Para o líder palestino, que chegou na madrugada de ontem a Brasília, onde participará da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff, e lançará a pedra fundamental da embaixada palestina, Lula é um líder de expressividade equivalente aos ex-presidentes Nelson Mandela (África do Sul) e o Jimmy Carter (Estados Unidos). ¿Quando ele sair do governo, seu valor não vai diminuir. Então, se quiser desempenhar um papel internacional, certamente terá sucesso, porque o mundo o respeita¿, declarou Abbas, acrescentando que, mesmo fora do Planalto, ele pode ter um papel fundamental para ¿evitar mais derramamento de sangue¿ em todo o mundo.

Abu Mazen, que rechaçou novamente a possibilidade de se candidatar em uma futura eleição para a presidência da AP, criticou a influência do Irã sobre o movimento islâmico Hamas. Para ele, a recusa do grupo que controla a Faixa de Gaza em assinar o documento para a conciliação entre os palestinos, elaborado pelo Egito, se deve, em parte, à atuação de Teerã. ¿Quando o Hamas se convencer de que a reconciliação é uma necessidade nacional, e não regional, isso (as eleições) acontecerá o mais breve possível.¿

O senhor crê que 2011 será, inevitavelmente, o ano da criação do Estado palestino? Há indicações internacionais e regionais de que o conflito palestino-israelense terminará em 2011. Posso citar três fatores que indicam que isso acontecerá: em primeiro lugar, o próprio presidente (Barack) Obama disse que, em setembro de 2011, o Estado palestino será membro por completo das Nações Unidas; em segundo lugar, o Quarteto para o Oriente Médio ¿ formado por Estados Unidos, Rússia, ONU e União Europeia ¿ indicou que as conversações que se iniciaram em setembro passado terminarão em setembro de 2011; e, em terceiro lugar, nós, palestinos, determinamos que, até setembro, será instituída toda a estrutura do Estado palestino. Isso indica que, se houver uma vontade internacional, o Estado palestino será anunciado em setembro de 2011.

Então, antes de setembro, não será levado um pedido unilateral de reconhecimento na ONU? Não existe a intenção de tomar uma decisão unilateral até agora.

A Autoridade Palestina tem feito uma campanha entre diversos líderes do mundo, inclusive o presidente Lula, para um reconhecimento do Estado palestino nas fronteiras de 1967. Essas fronteiras ainda são negociáveis, a fim de tornar mais viável o reconhecimento do Estado na ONU? Sim, as fronteiras fazem parte das negociações. Já discutimos esse assunto com o governo (do ex-primeiro-ministro de Israel Ehud) Olmert e estamos dispostos a discutir com esse governo israelense. Os limites de 1967 são inegociáveis, mas alguns detalhes podem ser discutidos por ambas as partes, como as questões das fronteiras, da segurança, de Jerusalém, das colônias, da água e dos refugiados. Nos acordos de Oslo, aceitamos discutir essas questões com o lado israelense, e o fizemos com o governo Olmert. Chegamos perto de uma solução, mas a sua saída (de Olmert) congelou um pouco as negociações. Discutimos com os Estados Unidos a questão das colônias e das fronteiras, porém o governo (de Benjamin) Netanyahu se recusou a entrar nesses assuntos. Pensávamos em solucionar essas duas questões para depois entrar em uma fase final do acordo.

Para o lado palestino, quais são as soluções possíveis para Jerusalém Oriental? Jerusalém Oriental é um território ocupado desde 1967 e deve ser a capital do Estado palestino. Mas podemos transformar Jerusalém Oriental e Ocidental em uma cidade aberta, para que os seguidores das três religiões monoteístas possam exercer seus cultos livremente.

Depois do Brasil, a Argentina e o Uruguai também decidiram reconhecer o Estado palestino nas fronteiras de 1967. O senhor espera que o Brasil lidere um grupo de apoio para o reconhecimento na América Latina? Ou que convença outros países a seguir seu exemplo? Sem dúvida nenhuma, o Brasil tem um peso significativo, não só na América Latina, mas em nível internacional. E esse peso vem aumentando gradativamente, de forma que, hoje, o mundo escuta o que o Brasil tem a dizer. Há um grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul (Ibas) capaz de fazer muita coisa em nível internacional. Então, quando o Brasil reconhece o Estado palestino ¿ e nós agradecemos imensamente o Brasil por essa posição ¿, outros países, com certeza, poderão seguir esse exemplo.

O senhor acredita que o presidente Lula, depois de deixar o governo, ainda pode desempenhar um papel no processo de paz no Oriente Médio? O presidente Lula provou, durante os oito anos em que esteve no governo, que é muito significativo na equação internacional. Quando ele sair do governo, seu valor não vai diminuir. Ele continuará preservado, interna e externamente. Então, se quiser desempenhar um papel internacional, certamente terá sucesso, porque o mundo o respeita e nós fazemos parte deste mundo.

Mas que papel seria esse? Ele pode desempenhar um papel de fundamental importância para a paz mundial. O (ex-presidente americano) Jimmy Carter tentou desempenhar esse papel, o (ex-presidente sul-africano) Nelson Mandela desempenhou esse papel. A paz mundial desconhece um país ou outro. Seu objetivo é pacificar o planeta. E o presidente Lula pode ter um papel fundamental para evitar mais derramamento de sangue.

No último domingo, o chanceler israelense, Avigdor Lieberman, questionou a legitimidade da Autoridade Palestina. É possível negociar com um governo israelense que tenha esse pensamento? Quando o chanceler afirmou isso, o próprio primeiro-ministro israelense disse que essa autoridade não os representava. Então, não damos importância para essas palavras, que não têm base em nenhuma verdade. Na semana passada, me parece que ele fez outras duas declarações que o governo israelense teve que repudiar, dizendo que elas não representavam o pensamento do governo israelense. O problema é dele com o seu governo.

A solução negociada ainda é uma opção para o lado palestino, considerando a recusa de Israel em interromper as construções nos assentamentos? Para nós, palestinos, não há outra solução a não ser a solução pacífica, através da negociação. E não queremos experimentar quaisquer outras soluções. O mundo sabe disso. O reconhecimento do Estado palestino não começou pelo Brasil, pela Argentina e pelo Uruguai. Em 1988, quando declaramos o Estado palestino, mais de 90 países o reconheceram. Temos embaixadas em todos os países islâmicos, nos países do bloco socialista encabeçados pela Rússia e pela China, em alguns países da América Latina ¿ como Cuba, Venezuela e Costa Rica. Então, somos reconhecidos como Estado. Já tínhamos representações nesses países (Brasil, Argentina e Uruguai), mas, com o reconhecimento, haverá também embaixadas.

Há pelo menos quatro anos, existe um impasse entre o Fatah e o Hamas. O que ainda atrapalha a reunificação do lado palestino? A solução para essas divergências é aplicar a decisão da Liga dos Estados Árabes de que o Egito assuma a responsabilidade de pacificar ambas as partes. Há um ano e quatro meses, o Egito elaborou um documento para a conciliação, e nós, em nome do Fatah, assinamos este documento. O Hamas, até hoje, se recusa a assiná-lo. Talvez porque não queira a conciliação, ou talvez porque outras partes na região, como o Irã, não queiram que a reconciliação aconteça. Continuaremos trabalhando nisso, porque não há solução para a questão palestina sem uma conciliação interna.

Como é possível atender às exigências de Israel em relação aos ataques contra seu território, se a Autoridade Palestina não tem competência sobre Gaza? Em Gaza, existe o Hamas, e o Hamas hoje pede a calma. Há alguns grupos radicais que insistem nesse conflito, lançando mísseis contra o território israelense, mas tenho certeza que o Hamas repudia tais atos. Na Cisjordânia, porém, não acontece nenhum conflito palestino-israelense há praticamente cinco anos.

Quando serão convocadas novas eleições para a Presidência da Autoridade Palestina? Quando acontecer a reconciliação, haverá eleições presidenciais e legislativas. Mas, como já disse, existem fatores regionais que atrapalham essa relação. Quando o Hamas se convencer de que a reconciliação é uma necessidade nacional, e não regional, então isso acontecerá o mais breve possível. E aceitaremos qualquer decisão tomada pelo povo palestino.

O senhor aceitaria hoje disputar a presidência? Não.