Título: Livro revela "crise existencial" do PMDB aos 40 anos
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2006, Política, p. A12

O PMDB fez festa ontem para comemorar seus 40 anos de fundação, completados em fevereiro passado. O principal atrativo foi o lançamento do livro "A história de um rebelde". Narra a trajetória do partido desde 1966 até às vésperas da decisão de ter ou não candidatura própria em 2006 - um autêntico painel dos mais marcantes acontecimentos políticos do período. É a história de um sobrevivente. Do nascimento como MDB, com a imposição do bipartidarismo, para coonestar com os militares e dar um ar de legitimidade à ditadura, mas que se tornou a principal voz da oposição à ditadura, ao "radicalismo federativo" dos dias de hoje, como o autor Tarcísio Delgado designou a eterna divisão interna da sigla, que explode com todas as letras no próprio livro de comemoração do aniversariante.

O trecho é exemplar: "O PMDB, ao completar seus 40 anos de existência, vive uma grave crise existencial. Nos últimos 20 anos, ingressaram no partido, nos diversos Estados da União, principalmente no Norte e no Nordeste, lideranças regionais que não tinham e não têm qualquer compromisso com sua história. Na verdade, são lideranças que, de modo geral, estavam do outro lado quando da luta pela redemocratização do país, nos primeiros 20 anos de sua existência. (...)

O PMDB, hoje, para atender à vontade de um grupo de tresloucados, que só pensa nas suas ambições pessoais, sacrifica seu bem maior, que é a defesa da lei e da democracia. Parece ter o partido se esquecido das vitoriosas anticandidaturas de Ulysses Guimarães e de Barbosa Lima Sobrinho, em 1974. O partido nega-se a si próprio. É um grande desastre".

"A história de um rebelde" foi escrito por um ex-deputado do antigo "grupo autêntico" do MDB, Tarcísio Delgado, e editado pela Fundação Ulysses Guimarães, uma das instâncias partidárias, presidida pelo deputado Moreira Franco (RJ), que é do grupo que fez oposição ao primeiro governo Lula. Como livro de partido, Delgado reconhece que é "generoso consigo mesmo". Delgado teve acesso às atas do partido, mas conta apenas duas histórias consideradas inéditas.

Uma, como Ulysses Guimarães teve a idéia da "anticandidatura" a presidente, em 1974, proposta do "grupo autêntico" que ele relutava em aceitar: "Ulysses teve a idéia numa noite em São Paulo. Numa conversa boêmia com um velho amigo, o advogado e escritor de livros policiais Luiz Lopes Coelho, contou, entre um uísque e outro, que ele e os companheiros da cúpula do MDB estavam namorando a idéia de lançar sua candidatura, mas ainda não tinham encontrado o jeito de fazê-lo. Havia dois perigos. Por um lado, a candidatura podia cair no ridículo, de tão fantasiosa. Por outro lado, podia servir de chancela à eleição indireta, criando a ilusão de que realmente houvera disputa. Como fazer? Uísque vai, conversa vem, Ulysses teve o estalo. Anticandidatura! Tinha encontrado a palavra".

A outra, conta uma reunião no gabinete de Ulysses na Câmara, quando Tancredo Neves foi internado às vésperas da posse:

"Ulysses tomou lugar à sua mesa, pouco depois se assentou. Foi o único que permaneceu assentado naquela sala. (...) Enquanto isso, começavam a surgir "juristas" de toda estirpe. Uns defendiam a legalidade da posse do vice, José Sarney; outros "garantiam" que quem teria de tomar posse era Ulysses. (...) Para complicar, chegou uma mensagem do Palácio, com um recado do presidente João Batista Figueiredo, de que ao dr. Ulysses ele passaria a faixa presidencial, mas ao Sarney, não.

Aproximavam-se das três da madrugada, o tumulto era grande. Dr. Ulysses se levantou - eu estava bem do seu lado, à esquerda -, bateu forte com as mãos na mesa e conclamou em voz alta: "Amigos, amigos, amigos." Fez-se silêncio. Ele, então, disse com sua peculiar autoridade: "Não podemos sair do golpe dando golpe. Vamos para nossas casas para estarmos aqui às 10 horas e darmos posse ao dr. Sarney".