Título: Para Itamaraty, retórica chavista não prejudica negociações
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2007, Brasil, p. A5

A falta de engajamento dos negociadores venezuelanos nos esforços para incorporar as regras do Mercosul é o maior obstáculo para concretizar a adesão do país ao bloco, na avaliação de diplomatas muito próximos ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Os destemperos do presidente Hugo Chávez, nas avaliações informais da cúpula do Itamaraty, ainda são vistos com condescendência, embora o Itamaraty tenha respondido com uma nota em termos severos às críticas do venezuelano ao Senado brasileiro.

Nas conversa informais com os diplomatas, há uma mudança de tom, em relação a Chávez, hoje tratado com comentários mais críticos que no passado. Mas a cúpula do governo brasileiro não aceita o argumento dos empresários de que futuros acordos bilaterais do Mercosul podem ser prejudicados pela retórica inflamada de Chávez e suas posições agressivas nas mesas de negociação internacional.

Há uma avaliação, entre importantes diplomatas, de que a imprensa maximiza os problemas em relação ao venezuelano. Como exemplo, lembram que não se costuma apontar o presidente uruguaio, Tabaré Vazquez, como um estorvo ao Mercosul, apesar das reiteradas declarações, em favor de negociações bilaterais do país independentes do bloco.

Embora Chávez tenha dado demonstrações constantes de que não hesita em criar ressalvas a acordos consensuais no continente, Amorim e seus assessores não concordam com os empresários brasileiros para quem a entrada da Venezuela no Mercosul poderá ameaçar a concretização de acordos bilaterais entre o Mercosul e parceiros como a União Européia.

Para os diplomatas da cúpula do Itamaraty, o pragmatismo venezuelano, que leva o país a ter como principal parceiro os Estados Unidos, alvo preferencial das críticas de Chávez, será levado às mesas de negociação das quais o Mercosul participar. Não se comenta, no governo brasileiro, que a entrada da Venezuela deve acrescentar outro elemento protecionista nas discussões de abertura de comércio, hoje já afetadas pela agressiva política do governo argentino de proteção à indústria - e por pressões dos industriais brasileiros.

O Brasil concordou com a adesão da Venezuela ao Mercosul por iniciativa da Argentina e do Uruguai, ambos emissores de títulos públicos que foram comprados pelo governo venezuelano, e, segundo um diplomata próximo a Amorim, não há pressa, em Brasília, para consolidar a adesão. Influenciados pelas metáforas futebolísticas do presidente Lula, alguns diplomatas dizem que a "bola" (no caso o processo de adesão) está com os venezuelanos. No Congresso, o acordo de adesão, firmado em 2005, nem sequer saiu da primeira escala de tramitação, a Comissão Conjunta do Mercosul.

A demora nas discussões técnicas entre Venezuela e Mercosul para consolidar a adesão do país faz com que a aprovação do acordo no Congresso esteja longe das prioridades da agenda parlamentar do Itamaraty. Para o comando da política externa brasileira, é do interesse do país a incorporação da Venezuela ao Mercosul, com a abertura de seu mercado. Oficialmente, os assessores de Amorim, como o diretor do Departamento de Integração, Afonso Sena Cardoso, dizem que as negociações de adesão correm "normalmente", embora estejam "lentas" as discussões de abertura de comércio.

Grandes empresas brasileiras, como a Odebrecht, têm sido beneficiadas com investimentos no país, e, embora parte do crescimento do comércio bilateral possa ser atribuído à conjuntura, o fato é que o Brasil tem, com a Venezuela, seu quinto maior superávit comercial e as exportações para lá cresceram 486% nos últimos três anos. Às queixas contra atrasos nos pagamentos, por parte da Venezuela, o Itamaraty informa ter informações contraditórias, já que um estudo da Câmara de Comércio Brasil-Venezuela compara os valores apresentados pela Fiesp relativos aos atrasos e mostra que eles seriam, para a maior parte dos setores, inferiores a 1% do valor exportado por esses mesmos setores.

Os venezuelanos têm sido pragmáticos nas discussões sobre abertura de comércio, sem ecos dos discursos de Chávez contra o que o presidente venezuelano chama de "velho Mercosul". Mas é forte o viés protecionista: embora aceitem o prazo de livre comércio entre a Venezuela e os países do bloco até 2014, os diplomatas querem criar um cronograma que praticamente deixa a maior parte das reduções de tarifas para os últimos dois anos, com pouca mudança em relação ao acordo de livre comércio já assinado em 2004 pelo país com os sócios do Mercosul. Esse ponto tem sido considerado inaceitável pelo governo brasileiro

Para os diplomatas ligados a Amorim, Chávez, na média, tem feito mais declarações amistosas em direção ao Brasil que o contrário, mas os atritos criados por ele só dificultam a aceitação de maiores aproximações com a Venezuela, o que tem levado o governo brasileiro a expressar, em termos cada vez mais explícitos, o "desconforto" com a retórica chavista.