Título: China impõe ao Brasil o fim da era das "cópias"
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2007, Especial, p. A22

Desde que o Brasil passou a ser habitado também por europeus, africanos e seus descendentes, o país vive a era da hegemonia britânica, quando foi colônia de Portugal, produzindo madeira, açúcar, metais e pedras preciosas, e um nascente império centrado na monocultura cafeeira e no rescaldo do período colonial. Depois da 1ª Guerra Mundial, cristalizou-se a hegemonia americana. Nela, em paralelo à vocação agropastoril e mineradora, o Brasil desenvolveu, a partir dos anos 50, um diversificado parque fabril, com graus variados de sofisticação, em grande parte centrado em cópias de tecnologias externas. E na era da hegemonia industrial chinesa, o que o país irá fazer?

O economista Antonio Barros de Castro, 69, que está deixando a diretoria de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para dedicar-se exclusivamente a estudos de estratégia econômica para o próprio banco e para o governo, acha que o país já vive, do ponto de vista industrial, sob o signo do "renmimbi", o nome popular do propositalmente desvalorizado yuan, a moeda da República Popular da China. E ele está há oito meses debruçado em fazer o diagnóstico e propor estratégias para esse novo período da história econômica brasileira.

Essas estratégias, no seu entendimento, devem levar em conta a posição da China como grande fornecedor mundial de produtos manufaturados e grande comprador de matérias-primas. Deve também considerar e o papel de matérias-primas "ambientalmente amigáveis", como o etanol e o biodiesel, no quadro de escassez de insumos imposta pela emergência da China e de outros países, como a Índia. Siderurgia e metalurgia vão seguir gerando riqueza, mas tendem a não figurar como bases de estratégias de transformação.

"Da Semi-estagnação ao Crescimento num Mercado Sino-cêntrico", trabalho de 37 páginas, é o primeiro fruto do mergulho de Castro nessa temática. Ele contém, basicamente, o diagnóstico e os primeiros traços das estratégias que também já foram desenvolvidas pelo pesquisador, mas sobre as quais ele prefere pensar e discutir mais antes de tornar público. No trabalho, o pesquisador diz que o pecado original da política industrial em vigor desde março de 2004 (uma nova já está saindo do forno) foi ter sido concebida sem a percepção do tamanho do fenômeno chinês.

"Sua (da política industrial) premissa maior (não percebida à época como tal) era que a liderança no campo industrial continuava a pertencer à tríade Estados Unidos-Europa-Japão. Isso, porém, deixou de ser verdade", afirma. Nessa nova era, que Castro denomina "sino-cêntrica", perde o sentido a manutenção do que ele chama "estilo de crescimento neo-NIC" (NIC é a sigla em inglês para os novos países industrializados, um conceito aplicado a partir dos anos 70 a países asiáticos como a Coréia do Sul, mas aplicável também ao Brasil dos anos 60/70).

Esse modelo, segundo o autor, "escolhido espontaneamente pelas empresas" e que, auxiliado pelo câmbio (então desvalorizado) e por alguma inovação estava "dando certo", revelou-se "uma falsa largada". "A exportação de cópias atualizadas, destaque daquele estilo de crescimento, perdeu o sentido frente ao meteórico avanço da competitividade chinesa", afirma o estudo. "O problema, percebe-se hoje, é que a China vinha fazendo, em mais de um sentido, uma opção - ainda quando mais ambiciosa - semelhante à brasileira", ressalta o economista em trecho do estudo.

Castro está convicto que o Brasil está no limiar da superação do longo período de baixo e volátil crescimento iniciado em 1981, que persistiu até 1994 e se prolongou nos primeiros cinco anos da estabilização pela combinação de câmbio supervalorizado e sucessivos choques externos.

"Dadas as melhorias verificadas no plano macroeconômico (câmbio flutuante e ajuste fiscal) e a intensa modernização das empresas produtoras de manufaturas, pode-se afirmar que de 1999 em diante a persistência do baixo crescimento deixa de ser facilmente explicável", prossegue o estudo.

Ao analisar a turbulência da transição do segundo governo Fernando de Henrique Cardoso para o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Castro defende a opção de Lula, contestada por muitos dos pares petistas do presidente, pela manutenção do esforço fiscal e anti-inflacionário e diz que o aprofundamento das políticas sociais de redução das desigualdades serviu para mostrar que a gestão de Lula não era uma simples continuidade da anterior.

Em 2004, quando a economia cresceu 5,7%, as exportações, 26,1% (em volume) e os investimentos, 9,1%, Castro entende que o país havia recuperado o ânimo empreendedor, com destaque para o segmento industrial mais avançado, quando foi novamente trombado, desta vez por um aperto monetário inspirado no temor, para ele infundado, de recrudescimento da inflação por pressão de demanda.

"Além de colocar a economia na contramão dos fatos, não consta que os responsáveis pela política monetária tenham tido em conta que estavam arriscando matar no nascedouro um estado de espírito excepcionalmente favorável à efetiva retomada do crescimento", critica. Seguiram-se dois anos de baixo crescimento e, pior, em 2006 os dados do incremento industrial já mostravam a ascensão de setores de baixa tecnologia, como o extrativo, sinais de risco da chamada "doença holandesa", a desindustrialização associada à sobrevalorização cambial.

O fenômeno chinês, na visão de Castro, facilita o crescimento de países especializados no fornecimento de algumas poucas matérias-primas de largo uso. Ao mesmo tempo, torna complexa a rota de crescimento de países que, como o Brasil, já possuem uma estrutura industrial complexa. Deve-se ter uma estratégia para os bens que recebem os bônus do crescimento chinês e também para aqueles que sofrem os ônus. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ajuda em vários aspectos, seja por centrar forças na recuperação da combalida infra-estrutura do país, seja por recriar um clima favorável aos investimentos, inclusive públicos.

Além disso, ele entende que focar em habitação popular, saneamento e transporte urbano pode, ao mesmo tempo, dinamizar setores não-comercializáveis, como construção civil, e dar o traço social do segundo governo Lula, em um quadro no qual "não caberia mais insistir no uso de instrumentos de proteção social como a elevação do salário mínimo e o aumento dos programas sociais".