Título: Soja sobe mais do que o esperado no MT
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2007, Agronegócios, p. B14

A produção agrícola pode ser comparada a um jogo de futebol: entre seus dois tempos, definidos pela safra do Hemisfério Norte e a do Hemisfério Sul, os jogadores ajustam sua tática em busca do melhor resultado. Nesse intervalo, quem está ganhando busca a melhor estratégia para garantir ou até mesmo melhorar o resultado, enquanto quem está perdendo procura caminhos para a virada.

Pois na temporada 2006/07, que termina no hemisfério sul por volta de setembro, os produtores do Mato Grosso chegam ao fim do segundo tempo com um placar mais favorável do que o inicialmente esperado por analistas e indústrias. Os preços pagos pela soja, que normalmente se descolam das cotações internacionais após o fim da colheita, atingiram nesse Estado cotações mais altas que o normal.

Renato Sayeg, analista da Tetras Corretora, observa que o preço médio praticado em Mato Grosso em junho fica em torno de 75% do valor cobrado no porto de Paranaguá (onde a cotação é definida pelo preço de Chicago menos o frete marítimo). Em 2006, por exemplo, a saca de soja nesse período saía a R$ 22,50 em Rondonópolis - 75,5% do preço em Paranaguá, de R$ 29,80. Em 2005, a relação era semelhante. Neste ano, a relação chegou a 85%. A saca no município saiu essa semana a R$ 28,60, contra R$ 33,50 no porto paranaense. "O principal motivo para esse descolamento é o ritmo de vendas. No Mato Grosso e em Goiás, os produtores aproveitaram a valorização dos preços internacionais no início da safra e comercializaram maior volume até abril. Agora as indústrias da região têm dificuldade para encontrar grãos e começa a haver um leilão pela soja que resta", diz Sayeg.

Ele também observa que a comercialização da soja do Centro-Oeste - que já é colhida antes da safra da região Sul - tem ganhado mais velocidade nos últimos anos. "No Paraná ainda existem uns 6 milhões de toneladas para serem comercializadas. No Rio Grande do Sul tem mais 6 milhões e no Mato Grosso, 1,5 milhão. O produtor já vendeu a soja, conseguiu capital para o plantio da próxima safra e agora pode especular com o saldo que tem em mãos", conclui.

"As esmagadoras concentraram os parques industriais em Mato Grosso, Goiás e Minas e todos querem comprar soja sem pagar ICMS [cobrada no trânsito de um Estado para outro]. Com isso, os preços aumentam e se descolam do mercado externo nessas regiões", afirmou José Luiz Glaser, diretor do complexo soja da Cargill em entrevista recente ao Valor.

Daniel Sebben, analista da Agência Rural, observa, porém, que a diferença média do preço da soja do Mato Grosso para a do Paraná é de US$ 3,50 por saca e que em junho deste ano ela ficou entre US$ 4,80 e US$ 4,70, o que significa que a soja do Centro-Oeste não está sobrevalorizada. Na semana passada, diz, a saca caiu 4,7% em Paranaguá (para R$ 32,10) e 3,7% em Sorriso (para R$ 23,40). "O que neste momento sustenta mais os preços no Mato Grosso é a demanda das indústrias". Segundo a Agência Rural, em junho 90% da soja do Mato Grosso já havia sido vendida, ante 81% em 2006. No Paraná, 58% da safra foi comercializada, ante 45% no ano passado. Em todo o país, 71% da safra já foi negociada, ante 63% na temporada 2005/06.

Para Flavio França Júnior, analista da Safras&Mercado, a venda acelerada de soja no Mato Grosso é explicada não só pela valorização dos preços internacionais no fim de 2006, mas também pelo nível de endividamento e descapitalização superior ao dos produtores da região Sul. "Embora tenham colhido uma boa safra, os produtores do Centro-Oeste têm custo logístico maior e já tinham mais dívidas. Muitos venderam a safra mais rapidamente para se capitalizarem para a próxima".

A decisão de acelerar as vendas para garantir uma boa rentabilidade impediu agricultores de alcançarem resultados mais auspiciosos. Ontem (dia 28), a soja subiu na bolsa de Chicago e o contrato para agosto fechou a US$ 8,1625 por bushel, em alta de 4,50 centavos de dólar. "Houve venda de soja em Rondonópolis a US$ 14 por saca. Lá atrás ninguém travou soja a esse preço", afirma Ricardo Tomczyk, diretor da Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso (Aprosoja). Com o dólar abaixo de R$ 2 e pouco grão disponível, difícil é saber se o produtor ganha ou empata no "fim do jogo", diz.