Título: Regulamentação da Lei Geral gera dúvidas
Autor: Terzian, Françoise
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2007, Caderno Especial, p. F4

Está previsto para entrar em vigor, a partir de 1º de julho, o capítulo tributário da Lei Complementar 123/06, mais conhecida por Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. Foi ela quem criou o Simples Nacional ou Supersimples, unificação de seis tributos federais mais o ICMS estadual e o INSS municipal, que vai mexer com a rotina e o bolso das pequenas empresas e também do governo em todos os seus âmbitos.

Embora Jorge Rachid, secretário da Receita Federal e presidente do Comitê Gestor do Simples Nacional, esteja firme na decisão de cumprir religiosamente a data determinada, especialistas de mercado, governos municipais e estaduais e contabilistas reclamam do cenário confuso que se instalou no país, da ausência de uma série de regulamentações e de ações pendentes na lei. "A lei não é perfeita. Há pontos a serem aprimorados e os Estados e municípios precisam colaborar", afirma Júlio Durante, consultor tributário Sebrae-SP.

A verdade é que há uma série de dúvidas em relação à regulamentação. Governos de todo país questionam como funcionará o repasse dos tributos recolhidos, enquanto empresários se perguntam como será feito o pagamento - se em uma ou várias guias. Outra preocupação, desta vez dos pequenos empresários, refere-se à manutenção dos incentivos oferecidos para as empresas no nível municipal e estadual. O Comitê Gestor não divulgou uma série de informações e esclarecimentos, o que vem gerando não só dúvidas e desencontros na sociedade, mas também uma certa preocupação no mercado em relação ao prazo da entrada em vigor do Supersimples.

Os Estados andam aflitos com possíveis prejuízos na arrecadação. Com isso, a cada dia, o Comitê Gestor tem recebido mais e mais declarações de gente angustiada. "Há uma série de dúvidas em relação à regulamentação. Detalhes importantes precisam ser esclarecidos antes da entrada em vigor do Simples Nacional", afirma Milton Antônio Bogus, diretor titular do departamento da micro, pequena e média indústria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Neste momento de reta final, José Maria Chapina Alcazar, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon-SP), diz que o sentimento do setor é de verdadeiro caos. Ele explica que as modificações do projeto original foram tantas que a parte tributária acabou se transformando numa verdadeira colcha de retalhos. "O governo, sempre com o argumento de não perder receita, interferiu na proposta original. O que era para ser um regime tributário simplificado acabou se transformando em sistema super complicado", diz.

Entre os contabilistas, o capítulo tributário da Lei Geral já vem sendo chamado de "bebê de Rosemary", por conta da complicada forma como foi desenhado. São tantas tabelas e categorias que até quem mexe com isso todo dia anda confuso. Para piorar, há pontos preocupantes como a demora para a divulgação das informações sobre as empresas em débito e o prazo que elas terão para regularizar a sua situação. No âmbito federal, somente na semana passada, os contribuintes passaram a ter acesso ao mecanismo de consulta para verificar pendências, ferramenta que tem se mostrado inconsistente. "Diversos associados da entidade têm reclamado sobre a indicação de débitos inexistentes e a respeito de grandes dificuldades para atendimento e retificação de informações", afirma Alcazar.

Além desses problemas com os bancos de dados fiscais, os contribuintes terão apenas o mês de julho para requerer os parcelamentos. Isto também preocupa, já que só no município de São Paulo há mais de 800 mil empresas devedoras, que correspondem a 70% daquelas com condições de optar. O Sescon-SP acredita que seria melhor adiar para janeiro de 2008 a entrada em vigor da parte tributária do Supersimples.

No Rio de Janeiro, Francisco Almeida e Silva, secretário municipal da Fazenda e presidente da Associação Brasileira de Secretarias de Finanças das Capitais, o momento atual é visto como um enorme desafio. "Não será simples colocar o Supersimples em vigor a partir de 1º de julho", afirma Almeida e Silva. Uma de suas preocupações é a mudança que ocorrerá com a arrecadação dos tributos, que sairá de um modelo descentralizado para centralizado. Essa troca vem causando desconforto entre várias secretarias de finanças. Elas dizem que, pela Constituição, o dinheiro pertence aos municípios. "Não vejo nenhuma razão para este dinheiro transitar pelo tesouro nacional", questiona Almeida e Silva.

A centralização de poder pela União também gera debates nos quesitos fiscalização e multa, que abordarão as três esferas (municipal, estadual e federal). "Neste ponto, estamos propondo que ela seja centralizada na secretaria estadual para evitar confusões", diz Bogus. As respostas a todas essas perguntas dependem de regulamentações ainda não definidas. No Rio, a preocupação refere-se ao desperdício do investimento feito para colocar profissionais em campo para fiscalizar. Hoje, o Rio tem 130 mil contribuintes cadastrados para pagar o ISS. Com o Supersimples, apenas dois mil que faturam acima de R$ 2,4 milhões continuarão a ser fiscalizados pelo município. Além disso, os cuidados e as formas de fiscalização também são colocados em xeque. Pede-se detalhes de como será feita a arrecadação e qual o tamanho da força dispensada a esta função.

Do ponto de vista tecnológico há pontos a serem esclarecidos. A criação de uma base única de dados, com a migração a informações de contribuintes de cada município, é algo que preocupa muitos secretários de Fazenda. O compartilhamento de cadastros é tão urgente quanto a criação de um sistema eletrônico para cálculo dos tributos a serem pagos. Este software precisa ficar pronto até o primeiro de agosto, já que muitos contadores consideram impossível descobrir o valor a ser pago sem uma ajuda tecnológica. "O cálculo é muito complexo", Wellinton Motta, consultor tributário da Confirp. Até agora, sua existência ainda não foi comentada, embora há quem diga que ele já esteja sendo desenvolvido.

Outro ponto vago do capítulo tributário é a falta de especificações no cadastro único para abertura de empresas. Há também dúvidas em relação à condução dos consórcios de exportação e incentivo aos consórcios de saúde e medicina do trabalho. Também não se sabe como ficará a questão da correção de valores. Até o momento, não está prevista correção alguma em relação aos limites que definem o faturamento de uma micro ou pequena empresa. "Não haverá correção dos R$ 2,4 milhões? O Simples ficou nove anos sem ser corrigido", alerta Bogus, para quem a falta de correção pode impedir as pequenas empresas brasileiras de se desenvolverem. Ele também sugere uma revisão da Lei Ordinária, já que não estaria prevista a isenção do Imposto de Renda pelo Simples Nacional. Para não haver dupla tributação, a Fiesp propõe a exclusão do Imposto de Renda por isonomia por conta daqueles que optaram pelo lucro presumido.

Em maio, a Fiesp entregou ao ministro Miguel Jorge, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, uma proposta contendo algumas alterações por regulamentação no Supersimples. Embora alguns setores defendam que a entrada em vigor do capítulo tributário seja adiada por conta das regulamentações pendentes, Bogus diz que a indústria vê a lei com bons olhos e otimismo. Almeida e Silva lembra que é a favor da lei, mas enfatiza que esta entrada em vigor precisa ocorrer de forma responsável, sem atropelos e prejuízos aos estados e municípios.

Em meio a tantas discussões, alguns Estados vêm fazendo esforços para regulamentar a Lei Complementar. Cirineu do Nascimento Rodrigues, consultor tributário do Sebrae Paraná, conta que o município de Maringá já se adiantou com sua "lei geral". O Estado do Maranhão já instituiu o Comitê de Regulamentação e Implementação do Estatuto Nacional da MPE. São Paulo, pelo Sebrae-SP, divulgou no dia 25 a sua proposta de "lei geral" municipal, resultado de vários encontros com lideranças do governo estadual, municipais, empresariais e e associações de micro e pequenas empresas.

A Paraíba tem acompanhado as reuniões do Comitê Gestor e a legislação sem muitas ressalvas. Como a Paraíba já tem uma lei estadual de 2003, que reduziu a carga tributária a 1% para contribuintes com faturamento de até R$ 1,2 milhão, o Supersimples tem sido mais motivo de elogios do que de críticas. Milton Gomes Soares, secretário da Receita da Paraíba, conta que o Estado terá um acréscimo na arrecadação que tende a dobrar, por conta do conceito de redução de carga tributária praticada pelo programa Paraíba Sim. Se na lei estadual a carga é de 1%, na Lei Geral ela começa a partir de 1,25%. Na Paraíba, o momento é de instrução de contribuintes e contadores para a entrada em vigor do Supersimples.