Título: Guerra de cifras opõe governos Lula e Serra
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2007, Política, p. A8

O anúncio de repasse de recursos do governo federal para São Paulo gerou divergências entre a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a do governador José Serra (PSDB). O governo federal destacou ontem, em cerimônia na sede do governo paulista, que destinará R$ 4,92 bilhões para obras de saneamento e urbanização de favelas no Estado, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Já a administração paulista, por meio de nota distribuída durante o anúncio, ressaltou um acordo de R$ 2,1 bilhões, com a "maior parte do valor sob responsabilidade do Estado".

A rusga entre a gestão petista e a tucana veio à tona com a forma como os recursos foram destacados nas notas emitidas pelo Estado e a União. A crítica apresentada pelo governo paulista levanta dois pontos: o anúncio bilionário feito pela União, com recursos que virão em sua maior parte por financiamento e não pelo Orçamento, e o repasse direto do governo federal aos 58 municípios beneficiados, sem a mediação do Estado. Para o secretário de Habitação, Lair Krähenbühl, que organizou diversas reuniões com prefeitos do interior e com o ministro da Cidades, Márcio Fortes, faltou diálogo na definição dos valores para as obras e na definição do repasse direto aos prefeitos. "O governo não contemplou a proposta original e o que foi falado é que os ministros vão reavaliar. Não nos chamaram para discutir esses valores e deveria ter tido uma regra mais linear". Para ele, a União adotou a "política do morde e assopra": "Divulgam um número e depois dizem que podem mudar".

O presidente Lula anunciou que São Paulo receberá R$ 4,9 bilhões. É a maior cifra dentre todos os Estados. Do orçamento da União virão R$ 2,08 bilhões e somente R$ 659 milhões vão para o Estado. O restante, cerca de R$ 1,4 milhão, irá para as prefeituras. Os outros R$ 2,83 milhões a serem aplicados pelo governo federal serão por empréstimos: R$ 1,146 bilhão vai para o Estado (incluindo R$ 796 milhões para Sabesp, companhia de saneamento paulista) e o restante, cerca de R$ 1,68 bilhão, para as prefeituras. A contrapartida do Estado será de R$ 1,82 bilhão e R$ 605 milhões virão da contrapartida dos municípios.

Já o governo paulista, durante o anúncio do repasse, distribuiu um comunicado à imprensa, destacando que o Estado terá R$ 2,1 bilhões de investimento, mas metade (R$ 1,1 bilhão) seria do caixa do governo Serra e R$ 320 milhões do município de São Paulo, comandado por Gilberto Kassab (DEM). Só R$ 700 milhões viriam da União. Nessa conta, o Estado deixou de fora a parte da Sabesp e respectiva contrapartida e também toda a parte dos municípios e respectivas contrapartidas.

Os dois valores estão corretos, entretanto São Paulo destacou apenas o montante do acordo feito diretamente com o Estado e a União deu ênfase ao total de recursos sem destacar que, se contabilizados somente os recursos orçamentários, os dois governos investirão valores semelhantes: São Paulo arcará com R$ 1,8 bilhões e a União, R$ 2 bilhões.

O descontentamento dos secretários estaduais com o anúncio ficou evidente antes mesmo de a cerimônia acabar. "Em termos de recursos orçamentários investimos quase o mesmo que a União", reclamou a secretária de Saneamento e Energia, Dilma Pena. "O número fica grande quando computado o financiamento, mas não deveria feito dessa forma." O secretário de Economia e Planejamento, Francisco Vidal Luna, disse que falta esclarecimento do governo federal das contas feitas pela União e da contrapartida que o Estado deverá dar. "Não tive acesso a essas contas antes. Não sei como eles fizeram essas contas. O governo precisa abrir esses números", reclamou. "Não acho que sejam números maquiados, mas não faço idéia do que consideram como investimento do Estado e do governo federal."

Amanhã, os secretários estaduais devem reunir-se com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff e o ministro das Cidades, Márcio Fortes, para esclarecer as divergências. Para Dilma, "se houver necessidade de ajustes, não haverá nenhum problema".

No palanque do anúncio, o tom dos discursos de Serra e de Lula não trouxe essas diferenças. O governador elogiou a iniciativa do presidente e disse que governará sem pensar em partidos. No fim de seu discurso, deu uma leve estocada e disse que "não bastam boas intenções, nem bons parceiros, nem dinheiro. É preciso fazer acontecer." A uma platéia de prefeitos, Lula disse que eles deveriam "executar projetos porque não é sempre que o país tem dinheiro disponível" e em um momento muito otimista, disse que "as coisas estão andando certo no país. "

Apesar de Lula negar a relação política dos repasses, as maiores cifras divulgadas irão para as cidades comandadas pelo PT: Diadema, Guarulhos, Osasco e Santo André. São Bernardo do Campo, do PSB, também está entre os municípios que mais receberão recursos. (Colaborou Mônica Izaguirre, de Brasília)