Título: País precisa ter alternativas comerciais à Rodada Doha
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Fonte: Valor Econômico, 27/06/2007, Opinião, p. A14

O impasse a que a Rodada Doha chegou, na semana passada, demonstra de forma cabal a necessidade de o governo brasileiro recorrer a outras alternativas de negociações para abrir novos espaços para o crescimento das operações comerciais do país. É mais do que hora de Brasília conceder prioridade às conversações para acordos bilaterais, como têm feito outros governos, de forma a que o país não seja prejudicado nas transações comerciais internacionais enquanto não se encontra uma forma de desatar Doha. Talvez seja ainda muito cedo para uma avaliação mais criteriosa e definitiva sobre as responsabilidades do fracasso do encontro realizado em Potsdam, na Alemanha, mas é evidente que o Palácio do Planalto e o Itamaraty devem se apressar em buscar novos caminhos para que as empresas brasileiras continuem conseguindo aumentar de forma considerável tanto suas exportações como as importações. Nos últimos anos, o Brasil teve a oportunidade de elevar continuamente suas compras e vendas de bens e serviços, um movimento que tem sido, de forma geral, muito benéfico por várias razões - uma delas, pelo alívio das contas do balanço de pagamentos e outra, não menos importante, pela ajuda no combate à inflação proporcionado pela pressão da entrada de produtos estrangeiros.

Por enquanto, a possibilidade de retomada de Doha parece ter sido muito dificultada pela maneira como se encerraram as reuniões da semana passada. A Rodada chegou muito perto do fracasso total com o fiasco de negociação crucial entre os ministros do Brasil, Estados Unidos, União Européia e Índia (o G-4), em meio a recriminações Sul-Norte, envolvendo interesses de países em desenvolvimento e desenvolvidos. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acusou os EUA e a UE de terem feito um acordo entre eles para reduzir a ambição na área agrícola, ao mesmo tempo em que exigiram corte de tarifas de importação de produtos industriais que traria "desinvestimento e desindustrialização nos países em desenvolvimento".

Os Estados Unidos e a Europa, por sua vez, criticaram duramente o Brasil e a Índia, como não se viu em seis anos de negociação global, dizendo que os dois gigantes em desenvolvimento ofereceram "nada" e recuaram na negociação industrial. Peter Mandelson, comissário europeu de Comércio, disse que a demanda dos EUA e da UE era "razoável", porque o coeficiente proposto na fórmula só resultaria em redução média de 1,3% nas tarifas aplicadas pelo Brasil e Índia. A representante comercial americana, Susan Schwab, acrescentou que parecia que o Brasil e a Índia não estavam na sala de negociação ou, quando estavam, queriam mudar "a trave do gol" todo o tempo. "Não podemos negociar conosco mesmo", insistiram Mandelson e Schwab. Amorim retrucou que mesmo com o coeficiente 30 para corte de tarifa industrial dos países em desenvolvimento isso geraria mais comércio do que o coeficiente 10 para países industrializados.

O colapso torna quase impossível que um esboço de acordo na Organização Mundial de Comércio (OMC) seja concluído nos próximos meses, um passo necessário para completar 35 mil páginas de acordo até o fim do ano. Além disso, com a campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos começando, negociadores vêem a sensibilidade política frear qualquer acordo até 2008. As chances da negociação global serem concluídas até 2009 parecem mínimas, tal o tamanho da divergência entre os principais atores da discussão.

É certo que o Brasil começa a tentar reformular sua estratégia na diplomacia, conforme mostrou o correspondente do Valor em Genebra, Assis Moreira, na edição de segunda-feira, dia 25. Além de endurecer no ataque aos subsídios agrícolas dos Estados Unidos, o governo brasileiro está considerando pressionar outros países em desenvolvimento para concluir até o final do ano a negociação Sul-Sul, que prevê troca de concessões tarifárias em torno de 30% só entre esses países. Essa discussão se realiza através do Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), mecanismo da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), e toma maior dimensão para o país, já que 62% de suas exportações vai para países em desenvolvimento. É um primeiro passo.