Título: Empresas tornam-se grandes emissoras
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2007, Finanças, p. C5

No mundo em desenvolvimento, empresas são maiores tomadoras de empréstimo que os países.

Quem disse que a dívida soberana é onipotente? Empresas em mercados emergentes captaram duas vezes mais valores nos mercados internacionais na comparação com os tomadores soberanos neste ano, numa reviravolta completa em relação a apenas cinco anos atrás.

A mudança atingiu até a China, palco de alguma das maiores emissões de ações já registradas no ano passado. O país transferiu a autoridade sobre emissão de títulos corporativos a um órgão regulador mais liberal, a Comissão Reguladora de Títulos Mobiliários da China.

Ela regulamentou normas que permitem às empresas chinesas vender títulos com vencimento superior a um ano sem necessidade de aprovação de cada emissão. A medida deverá levar a uma disparada nas ofertas de títulos por parte de empresas com dificuldades de caixa, que até agora captaram a maioria dos seus financiamentos através de empréstimos bancários no país.

Se parte desses títulos aportar nos mercados internacionais, o fato se inserirá num padrão que remonta a 2002. Desde aquela época, os investidores globais têm se voltado gradativamente para títulos de dívida dos mercados emergentes e também para ações.

Algumas pessoas perceberam que depois da moratória da Argentina em 2001, os títulos corporativos se recuperaram mais velozmente que os soberanos. Os governos, enquanto isso, tomavam menos empréstimos à medida que suas posições fiscais iam melhorando e retiraram parte dos seus títulos em circulação, o que deu a vantagem à emissão corporativa.

Enquanto isso, algumas empresas, como a Gazprom, maior empresa de energia da Rússia, e a ICICI Bank, da Índia, são classificadas pela firma especialista de crédito Moody's num nível superior ao dos seus governos nacionais. Os investidores, da mesma forma, freqüentemente enxergam uma vantagem em apostar nos setores mais competitivos de um país, como mineração, em vez de fazê-lo para um país inteiro.

Toda essa liquidez foi acompanhada de padrões mais frouxos de concessão de empréstimos. De acordo com um relatório recente do Banco Mundial (Bird), financiadores privados concederam aos tomadores de empréstimos uma maior flexibilidade nas condições dos empréstimos e exigiram menos garantias de terceiros.

Os "spreads" (margens de lucro) dos títulos de mercados emergentes em relação aos títulos do Tesouro dos EUA (os "treasuries") caíram de 859 pontos-base em junho de 2002 para 153 pontos-base em 19 de junho, ainda que as agências de classificação tenham sido cautelosas quanto à elevação da nota de crédito dos tomadores de empréstimos.

Algumas pessoas argumentam que isto é uma bolha insustentável, que a transparência reduzida e a governança mais medíocre reinante entre os emissores dos mercados emergentes, bem como os riscos cambiais, não estão refletidos no preço.

Paladinos dos mercados emergentes, porém, observam que alguns emissores têm apoio explícito ou implícito do governo e que os maiores tomadores de empréstimo do setor privado, incluindo multinacionais como a empresa de cimento Cemex, do México, têm receitas geograficamente distintas. O Bird também observa que, na média, empresas de mercados emergentes que exploraram mercados internacionais foram dez vezes maiores em ativos que suas rivais internas, conferindo-lhes grande vigor em seus países natais.

A maior preocupação dos credores é a liquidez global. Quando a aversão ao risco aumenta - como certamente acontecerá novamente em algum ponto - os tomadores de empréstimos dos mercados emergentes geralmente sentem rapidamente os seus efeitos.

Durante o forte movimento de venda de treasuries deste mês, os títulos dos mercados emergentes resistiram bem. Se os mercados, ou a economia, derem uma guinada radical para pior, porém, os investidores talvez não serão tão corajosos. Ademais, os financiadores precisarão avaliar as dificuldades jurídicas de fazer cumprir contratos de dívida nos mercados emergentes. Em alguns países, como Turquia e México, a legislação está baseada no modelo napoleônico francês, no qual os credores garantidos não podem cobrar tanto quanto nos países que seguem a lei fundada nos costumes. Estudos também mostraram que a capacidade de pagamento está estreitamente ligada com outras medidas da saúde do setor público, como o controle da corrupção e a responsabilidade fiscal. Portanto, a política de governo certamente importa. O soberano ainda vale alguma coisa, afinal.

(Tradução de Robert Bánvölgyi)