Título: Terceira onda verde
Autor: Veiga Filho, Lauro
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2007, Caderno Especial, p. F1

Numa primeira fase, a indústria embarcou no "movimento verde" por força da legislação ambiental, buscando cumprir o objetivo quase exclusivo de controlar emissões e manejar efluentes de forma a assegurar as licenças exigidas por lei. Depois, houve uma busca crescente por certificação e reconhecimento externos de processos ditos como ambientalmente adequados. "Foi um trabalho desenvolvido pelas empresas muito mais para fora do que para dentro delas próprias", resume Fernando Giachini Lopes, diretor da Key Associados, consultoria especializada em projetos de neutralização de emissões de carbono e no desenho de soluções econômica e ambientalmente sustentáveis para o mundo corporativo.

Numa espécie de "terceira onda" nesse processo, prossegue Giachini, a indústria começou a encarar a gestão ambiental como um dos fatores preponderantes para definir sua capacidade de se manter no jogo no longo prazo. "As empresas ousam um passo além da mera necessidade de alcançar o licenciamento para projetos e processos e de atender a imposições da lei", reforça o executivo.

Por trás dessa aparente nova visão, continua Giachini, está a percepção de que, daqui para frente, a questão ambiental poderá significar uma restrição importante aos negócios e, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta para alavancar produtos. Nas negociações para revalidar o Protocolo de Kyoto para o período posterior a 2012, quando expira o prazo estabelecido para a redução de gases formadores do efeito estufa pelos países signatários do acordo, "possivelmente deverá ser fixado algum contingenciamento às emissões brasileiras, o que tenderá a afetar negócios em alguns setores", acredita Giachini.

A vertente considerada mais moderna nessa busca por sustentabilidade transforma o risco ambiental em oportunidade de negócio. "O grande exemplo é a geração de créditos de carbono, que podem ser negociados no mercado, ampliando a taxa interna de retorno de empreendimentos ambientalmente adequados", aponta o consultor. Eventualmente, o ganho com a negociação desses créditos ajuda a financiar todo o investimento realizado em sustentabilidade, como deverá ocorrer com uma das empresas clientes da Key Associados - uma usina de álcool que desenvolve, em parceria com a consultoria, um projeto de cogeração de eletricidade a partir do bagaço da cana e de tratamento da vinhaça, que será destinada também para a geração de energia, com neutralização de emissões de metano.

Qualquer que seja o setor, no entanto, o crescimento da preocupação ambiental torna-se cada vez mais evidente entre as empresas, envolvendo desde a construção de novas plantas até a concepção, desenvolvimento e fabricação do produto final. Líder mundial em computadores, a Dell Brasil trabalha em pelo menos duas frentes para mitigar impactos ambientais. A primeira delas, detalha Gleverton Munno, gerente de assuntos corporativos da empresa, destaca-se pelo desenvolvimento de máquinas mais eficientes na operação e no consumo de energia.

A mais recente família de servidores PowerEdge, em sua nona geração, apresentada ao mercado no começo deste ano, passou a incorporar processadores de alto desempenho, com consumo de energia 25% menor em relação a versões anteriores. A combinação entre aqueles dois fatores permite um ganho de eficiência estimado em 169%, quando se avalia sua capacidade de processamento por quilowatt de energia consumida.

Munno credita os ganhos ao design projetado para a máquina, à utilização de fontes alimentadoras mais eficientes e à aplicação de uma técnica de hibernação que permite ao servidor "desplugar" sua conexão com o monitor sempre que este não esteja sendo utilizado. Já o modelo OptiPlex 745, continua Munno, traz embutido processadores de núcleo duplo, que aumentam o desempenho em 30% e reduzem o consumo de energia em até 40% na comparação com a linha anterior.

Além de seguir também no Brasil a diretiva da União Européia para substâncias de risco, abandonando o uso de chumbo em placas, gabinetes e fontes de alimentação, a Dell estabeleceu como meta recuperar 125 mil toneladas de equipamentos e componentes usados até 2009. Por meio da Rede de Cooperação Digital, em parceria com a Fundação Pensamento Digital, o material recuperado será recolhido às centrais de reciclagem da Dell em Porto Alegre e São Paulo, onde as máquinas serão recuperadas e, em seguida, destinadas a projetos de inclusão digital.

A Caloi quer tornar a bicicleta, meio de transporte ecológico por excelência, 100% reciclável, incluindo a borracha que entra na composição de pneus e de outras partes e componentes. "Está em estudo a construção de uma parceria com uma organização não-governamental para a reciclagem da borracha, que deverá ser, depois de usada, picotada e utilizada na produção de concreto", adianta Juliana Grossi, diretora de marketing da Caloi.

Detentora de 26% de participação no segmento de bicicletas, a empresa registrou crescimento de quase 8% no ano passado, com a venda de 700 mil unidades, em grandes números, e prevê colocar mais 750 mil no mercado até dezembro deste ano, o que corresponderia a um aumento de 7%. "O mercado de bicicletas, na verdade, está estagnado há uma década. Os avanços registrados individualmente pela empresa decorrem da agregação de valores e de ganhos de market share", afirma Grossi. Para este ano, com verba superior a R$ 10 milhões, destinada ao desenvolvimento de novos produtos e ao setor de marketing, a Caloi deverá realizar mais de 20 lançamentos, incluindo produtos de maior valor agregado, com incorporação de componentes com maior conteúdo tecnológico.

Na linha do ecologicamente correto, bandeira que a empresa pretende reforçar neste ano, em defesa de um meio de transporte totalmente não poluente e saudável, a fabricante apresenta ao mercado em junho a Caloi Easy Rider, um produto híbrido, que reúne conceitos de mountain bike, comfort e road. "Com quadro verde, desenvolvida em cores e com design que remetem ao meio ambiente, a bicicleta será símbolo de nossa empreitada pela redução a zero de emissões de carbono. Vamos reforçar o vínculo entre a marca e a conscientização ambiental", declara Grossi.

Em três anos, a Saint Gobain pretende certificar todas as suas unidades no país (duas fábricas em São Paulo e uma no Rio Grande do Sul) segundo as normas ISO 14000 (gestão ambiental) e OHAS 18001 (Occupational Health and Safety Assessment Series, que regula sistemas de gestão de saúde e de segurança no trabalho). "Vamos continuar investindo, ainda, em atualização tecnológica e na redução de emissões durante o processo de produção do vidro", declara André Liberali, superintendente comercial e de marketing da empresa no país.

Apaixonado defensor do vidro como "a" embalagem ambientalmente amigável, Liberali questiona a ausência de padrões para estabelecer o que é, realmente, reciclagem. "Quando se fala em 70% a 80% de alumínio recuperado, está se referindo ao volume de latas recuperadas em relação ao total colocado no mercado. O índice de reciclagem efetiva de alumínio gira em torno de 35% a 40%. No caso do vidro, metade da produção inclui produto reciclado", argumenta.

Liberali acrescenta ainda que as embalagens de vidro têm a vantagem de ser 100% "reciclável, reusável e retornável". Apenas o mercado de cervejas, estima ele, mantém 6 bilhões de garrafas em circulação, com giro médio de cinco anos por unidade. "Como 68% delas são retornáveis, as garrafas são lançadas no ativo fixo das empresas do setor", destaca. Com 30% de participação no mercado de embalagens de vidro, incluindo os mercados de bebidas, cosméticos e produtos farmacêuticos, a Saint Gobain concentra seu faturamento no segmento de cervejas, que responde por 80% a 85% o total de suas receitas.