Título: O sentido da integração sul-americana
Autor: Taunay Filho, Jorge d´Escragnolle
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2007, Opinião, p. A14

A integração sul-americana constitui hoje um dos eixos condutores da política externa brasileira. A superação do subdesenvolvimento e das assimetrias, objetivo maior da América do Sul, requer a união dos países do continente.

O impulso atual à integração foi possível porque se adquiriu uma convicção compartilhada entre os governos e povos sul-americanos de que o fenômeno da globalização, que proporcionou níveis inéditos de crescimento econômico e trocas comerciais globais, é o mesmo que, em sua face perversa, aprofunda assimetrias e contribui para a marginalização econômica, social e política de dezenas de países e bilhões de seres humanos.

Hoje, o desenvolvimento de todos e cada um dos países no mundo depende do crescimento de seus vizinhos. Não é mais possível pensar na prosperidade do Brasil sem pensar no bem-estar de nossa região. A integração, nesse contexto, constitui alternativa consciente para enfrentar os desafios impostos pelos atuais constrangimentos internacionais e, ao mesmo tempo, aproveitar as oportunidades que se oferecem.

A velocidade que buscamos imprimir ao processo de integração é a mesma das transformações e obstáculos apresentados pelo atual contexto econômico e político internacionais, e tem proporcionado resultados concretos em período bastante curto.

Houve robusto crescimento das exportações brasileiras para nossos vizinhos, as quais quase triplicaram entre 2003 e 2006, impulsionadas, em grande parte, por produtos com alto valor agregado. A América do Sul sozinha já é, para o Brasil, um mercado maior que os Estados Unidos. No ano passado, as vendas brasileiras para países sul-americanos totalizaram quase US$ 27 bilhões. A tendência ascendente continua em 2007.

O caso da Argentina é emblemático. Trata-se do segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. O intercâmbio bilateral alcançou quase US$ 20 bilhões em 2006, com crescimento de 22,4% em relação ao ano anterior.

No setor da infra-estrutura regional, em que quase tudo estava ainda por fazer, produziram-se avanços notáveis: entre 2003 e o corrente ano, o Brasil aprovou mais de US$ 6 bilhões em financiamentos para exportações de produtos e serviços de empresas brasileiras, destinados a projetos de infra-estrutura nos países sul-americanos nas áreas de transportes, energia, saneamento e telecomunicações. São projetos que fomentam empregos e renda tanto aqui quanto nos países vizinhos, criando oportunidades de trabalho para muitas populações carentes. A integração sul-americana vem gerando, portanto, ganhos econômicos palpáveis para o Brasil.

Ainda assim, medir o sucesso da integração apenas por seus resultados comerciais é um erro. A política comercial é apenas uma das dimensões da política externa. A construção de uma América do Sul integrada vai muito além do comércio, tendo por meta desenvolver um espaço coeso nos âmbitos político, econômico, financeiro, social e cultural. Trata-se, sobretudo, de construir um destino comum.

-------------------------------------------------------------------------------- Construção da União Sul-Americana é um processo recente que demandará recursos, tempo e visão estratégica de longo prazo --------------------------------------------------------------------------------

Um bom exemplo que mostra o lado humano da integração foi a conclusão, em 2006, do acordo sul-americano para a dispensa de vistos e habilitação de documentos de viagem. Esse acordo constitui o primeiro passo para a construção de uma cidadania política sul-americana. Contribuirá seguramente para aumentar o intercâmbio de pessoas entre os países da América do Sul, aí incluídos turistas, empresários, trabalhadores, artistas e estudantes.

A construção da União Sul-Americana é um processo recente, que demandará tempo, paciência, recursos e visão estratégica de longo prazo. Em toda a história, os presidentes sul-americanos reuniram-se apenas seis vezes, todas elas depois do ano 2000. Não se exclui que, no processo de consolidação dessa União, eventuais divergências entre seus membros possam aflorar, inevitáveis quando se trilha caminho inexplorado.

Questões político-ideológicas ou eventuais afinidades entre as lideranças sul-americanas não constituem de modo algum as bases sobre as quais vem se construindo a integração da América do Sul. Os países da região possuem uma enriquecedora variedade de opções políticas e visões de mundo. Essa variedade, longe de enfraquecer o projeto da integração, constitui uma de suas forças e evidencia seu caráter plural e democrático.

Dificuldades que há muito constituíam agenda negativa na região foram resolvidas, de forma negociada, por meio dos esforços da diplomacia brasileira, o que abriu espaço para a agenda da integração. O futuro que desejamos para nossa região não poderá ser construído pela defesa inflexível de posições individuais, mas pelo estabelecimento gradual da percepção de que a América do Sul integrada produzirá igualmente benefícios para países grandes e pequenos.

O meio século durante o qual se consolidou a União Européia foi entremeado por diversos momentos de paralisação, pessimismo e ameaças de defecção. Exigiu dos estadistas e povos europeus tenacidade e sacrifício de interesses imediatos, em nome de um futuro comum de que todos os países hoje se beneficiam. Foi necessário, acima de tudo, coragem para avançar nos momentos em que alguns recomendavam o recuo: o Ato Único Europeu, de 1986, que abriu caminho para a criação da União Européia, foi firmado após longo período de descrédito quanto à possibilidade de aprofundar a integração.

Circunstâncias históricas muito específicas mantiveram, durante séculos, os países sul-americanos relativamente afastados uns dos outros. Se pretendemos desempenhar um papel relevante entre as nações e, principalmente, se desejamos criar condições para o desenvolvimento pleno de nossos povos, as circunstâncias atuais exigem a construção de um futuro compartilhado.

Embaixador Jorge d´Escragnolle Taunay Filho é subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores.