Título: Ar de São Paulo melhorou nos últimos 20 anos
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Fonte: Valor Econômico, 26/06/2007, Especial, p. A16

Os paulistanos nem se dão conta, mas o ar da cidade melhorou muito nos últimos 20 anos. Os controles da Cetesb, a agência ambiental do Estado, já não acendem o sinal vermelho com a freqüência dos anos 80, quando a rotina do inverno era conviver com estados de atenção (e às vezes de alerta) pela péssima qualidade do ar da metrópole. Mas o lado B desta história é que se trata de uma conquista ambiental frágil: ou se planeja algo eficiente agora ou logo o futuro voltará a ser intoxicante.

São Paulo saiu dos primeiros lugares no ranking das cidades de ar mais sujo do mundo. O grande vilão do passado, o monóxido de carbono (CO) emitido pelos carros, parece sob controle mesmo com uma frota que aumenta 500 mil unidades ao ano. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a OMS, existem 45 cidades no mundo com ar mais envenenado que o de São Paulo (a maioria na Ásia e 14 na América Latina), considerando-se a concentração das chamadas partículas inaláveis (MP10), outro poluente que vem dos escapamentos. Nas emissões de dióxido de enxofre (SO²) - gás que agrava doenças respiratórias e cardiovasculares e arruina safras agrícolas ao formar a chuva ácida -, São Paulo está em nono lugar.

Há dez anos, as concentrações de MP10 no ar da região metropolitana ultrapassaram 162 vezes o padrão considerado adequado - isto aconteceu apenas duas vezes em 2006. Para ozônio (O³), a qualidade do ar foi inadequada ou má por 219 vezes em 2002, número que caiu para 90 em 2006; para monóxido de carbono (CO), foram 65 vezes em 1997, apenas uma em 2005 e sete em 2006, o pior ano da década em condições meteorológicas para dispersão de poluentes.

Não que o ar da cidade tenha alcançado padrões dos Alpes suíços, longe disso. Os paulistanos vivem menos do que os europeus também porque respiram ar mais poluído. Duas milhões de pessoas no mundo têm a vida encurtada por conta disso, gente que vive em núcleos urbanos com sistemas de transporte público precários e processos industriais sujos, diz o patologista Paulo Saldiva, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do laboratório de Poluição Atmosférica da USP.

A OMS criou uma métrica econômica, a Disability Adjusted Life Years (Daly), para identificar quanto se perde por uma incapacidade de saúde das pessoas. Por este raciocínio, diz Saldiva, a região metropolitana de SP perde US$ 400 milhões ao ano por mortes provocadas por doenças cardiovasculares, asma, bronquite crônica e câncer de pulmão. A conta não considera gastos com remédios, internações ou outra vertente, mas apenas a perda econômica provocada pelas pessoas que deixaram de produzir porque tiveram a vida abreviada. "É inegável que a poluição de São Paulo melhorou muito", diz ele, "mas nossos padrões estão muito defasados, são dos anos 90."

Outros indicadores apontam para este cenário positivo. A redução nos poluentes que saem dos escapamentos dos carros novos é de 90% desde 1997 - um dado importante, já que 80% da poluição de São Paulo vêm das fontes móveis. "O problema, agora, é que o que se conseguiu com tecnologia está sob risco pelo aumento impressionante da frota de carros e de motos", diz Fernando Rei, presidente da Cetesb, a quinta maior agência ambiental do mundo.

Fatores internos e externos à ação da Cetesb ajudaram a compor este quadro mais respirável. O forte controle que o órgão ambiental impôs às indústrias fez com que investissem em filtros e equipamentos mais eficientes. Outras, diante das restrições, desistiram do Estado e se transferiram para lugares menos saturados.

Nos anos 80, as empresas respondiam por cerca da metade da poluição da cidade, fatia que caiu para 20%. O controle prevê que cada ampliação industrial seja comunicada à Cetesb, que tem uma espécie de DNA ambiental das empresas. Há um ano vigora o decreto 50.753 que limita a ação de novas empresas poluidoras em áreas consideradas saturadas do Estado. Pela lei, uma empresa que queira se instalar e emita, por exemplo, 100 toneladas de óxido de nitrogênio (NOx) terá que retirar 110 toneladas do poluente do ar da região onde está instalada. A Refinaria de Paulínia (Replan), por exemplo, está instalando equipamentos mais eficientes para compensar a ampliação da produção, diz Carlos Komatsu, gerente do departamento de tecnologia do ar da Cetesb.

Se a questão das fontes industriais está melhor equacionada, a emissão veicular é o nó. A frota registrada na região metropolitana é de 7,9 milhões de veículos. A mistura do álcool à gasolina ajudou bem a reduzir os poluentes do ar. O Proconve, um programa federal de controle à poluição dos carros, impôs restrições gradativas às emissões dos automóveis que saíam das fábricas. Os carros novos, desde 1987, passaram a vir com catalisadores. Com tecnologia limpa, em 1992, eles poluíam 50% menos que os fabricados em anos pré-Proconve. "Mesmo assim, nossa defasagem é de oito anos em relação às emissões européias", diz Rei, o presidente da Cetesb.

O monóxido de carbono deixou de ser um problemão, mas surgiram novos desafios - o foco, agora, está nas pequenas partículas inaláveis e no ozônio, um poluente complexo que se forma a partir de outros, em dias de sol. O ozônio é agressivo, ataca de artigos de borracha a vegetais, provoca tosse e chiado, irrita olhos, diminui a capacidade pulmonar. "A boa notícia é que a frota em São Paulo quase triplicou e o ozônio não subiu", diz Gabriel Murgel Branco, que trabalhou 20 anos na Cetesb e foi o engenheiro por trás do Proconve. "A má notícia é que o controle ao poluente foi tímido. Tem que se planejar agora uma redução muito mais intensa", avisa.

O cenário imediato trata de equacionar um fator novo e um polêmico. O aspecto novo, que não preocupava há 20 anos, é o pelotão de motocicletas - na região metropolitana há 900 mil registradas. "Uma moto pode emitir 10 a 12 vezes mais que um carro", diz Homero Carvalho, gerente da divisão de engenharia e fiscalização de veículos da Cetesb. Em 2003, começaram a vigorar limites de emissão para motos novas de acordo com o Promot, programa federal de controle inspirado no êxito do Proconve e em legislação européia. Resta o funil dos veículos a diesel - o aspecto polêmico.

É preciso, agora, reduzir drasticamente o volume das emissões de partículas e óxidos de nitrogênio, a poluição de ônibus e caminhões a diesel. "É urgente este negócio", diz Branco. "O fundamental é baixar a quantidade de enxofre do diesel. Se isso não for feito, em 2009 as metas do Proconve não serão atingidas. Será o primeiro desrespeito ao programa em 23 anos", diz ele.

O diesel vendido no Brasil costuma ter 2 mil partes por milhão (ppm) de enxofre; na região metropolitana, a Petrobras vende diesel com 500 ppm de enxofre. Os engenheiros ambientais dizem que é preciso baixar para 50 ppm. Sem esta redução, a indústria não pode colocar catalisadores nos caminhões e ônibus, porque seriam corroídos. "A Europa está indo para 5 ppm de enxofre no diesel", diz o médico Saldiva, "mas no Brasil, às vezes, dá a impressão que estamos trabalhando com visigodos."

Saldiva fez parte, recentemente, de um grupo de 60 especialistas internacionais chamados pela OMS para elaborarem novos limites para poluentes. "Com ozônio e partículas não existe um gatilho de segurança para a saúde", diz ele. "É como cigarro. Quantos pode fumar por dia? Quanto menos for, melhor. Com estes poluentes é a mesma coisa." O médico lembra que a tendência mundial para as partículas inaláveis é limitar a menos de 2,5 micrômetros - no Brasil, o padrão ainda é 10 micrômetros. "Nós sequer medimos estas partículas", prossegue. "Os órgãos ambientais brasileiros são super rígidos em conceder licenças em regiões remotas, mas muito flexíveis nos centros urbanos. Esquecem que tem gente morando lá. Preocupação ambiental tem que incorporar a vertente da saúde."

Para enfrentar o problema do caldeirão químico de São Paulo, a Cetesb tem que migrar da função de controle e partir para a gestão ambiental, acredita o presidente da agência. O que está em pauta, agora, são "responsabilidades que escapam ao órgão ambiental", diz Rei. O futuro do ar da cidade depende da melhoria do sistema de transporte público, da criação de corredores de ônibus eficientes, de uma qualidade melhor de diesel, de educação ambiental para que os paulistanos deixem de circular sozinhos em seus carros.

Várias instâncias de governo começam a conversar em torno de medidas mais drásticas, como retirar carros velhos das ruas. A Prefeitura estrutura um programa de inspeção das emissões dos veículos em circulação. "Se não enfrentarmos o fato de que os ganhos ambientais dos últimos anos estão sendo penalizados pelo aumento da frota, nosso futuro será a cobrança de pedágio em determinadas áreas, como já ocorre em outras cidades do mundo", avisa Rei.