Título: Fabricantes querem fim da patente para peças externas
Autor: Olmos, Marli e Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2007, Empresas, p. B7

A disputa pelo farto mercado de peças de reposição para veículos, um tema quase sempre tratado de maneira encoberta na indústria, chegou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e em breve será encaminhado à Justiça por um punhado de fabricantes de autopeças que não fornecem para as montadoras.

O objetivo do grupo é tentar impedir os fabricantes de veículos de patentear componentes externos, como capôs, pára-choques, faróis e espelhos retrovisores, um mercado em que essas empresas independentes atuavam sem enfrentamento até o final do ano passado, quando começaram a receber notificações de três das maiores montadoras do país - Volkswagen, Fiat e Ford.

Algumas dessas empresas chegaram a ter moldes de peças apreendidos por força de mandados de busca obtidos na Justiça pelas montadoras, segundo Renato Fonseca, o presidente da Anfape (Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças).

Apesar do nome nacional, a Anfape representa até agora 28 empresas. Trata-se de um número pequeno se comparado aos mais de 500 sócios que fazem parte do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), a entidade que há décadas fala em nome do setor.

Mas, ao contrário do Sindipeças, o pequeno grupo pode se expor livremente, sem medo de represálias dos principais clientes. Um fabricante de autopeças tradicional tem pelo menos um terço do seu faturamento atrelado às encomendas das montadoras. Nem por isso esse tipo de empresa gosta de ver as manobras das montadoras para dominar também o mercado de reposição.

Às empresas que produzem todas as cerca de 4 mil peças que compõem um automóvel e que fornecem para os fabricantes de veículos não restam alternativas a não ser assistir caladas às tentativas das montadoras de dominar o mercado de reposição, com o selo de original estampado nos itens distribuídos por elas mesmas às suas concessionárias.

Sem essas amarras, o grupo de 28 que compõem a Anfape, entidade criada em fevereiro exclusivamente com o objetivo de enfrentar a poderosa indústria automobilística, quer alterar a forma de explorar a patente dos veículos.

A briga se limita aos itens externos do carro, que incluem até pequenas peças, como frisos e calotas. A Anfape argumenta que as montadoras "abusam do direito de patente", que protege o desenho do automóvel, nas peças. "O desenho de um pára-choque não é o apelo de compra de um carro", afirma o presidente da Anfape.

O ponto de vista pode até ser discutível. Mas nenhuma das três montadoras envolvidas quis se pronunciar a respeito da questão. O presidente do Sindipeças, Paulo Butori, afirma que a entidade preferiu apelar ao Congresso para alterar a lei de patentes.

A representação da Anfape está sob a análise da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. A SDE irá ouvir as partes envolvidas. Um parecer será enviado ao Cade, que fará o julgamento final do caso, podendo condenar as montadoras, arquivar o processo ou sugerir medidas para a correção deste mercado, como, por exemplo, o fim dos registros de patentes dos componentes externos dos veículos.

O fim dos registros de patentes dessas peças foi a opção escolhida em alguns países como Estados Unidos, Itália, Espanha e Reino Unido. O mesmo não aconteceu em outros, como a Alemanha, que aceita a patente das peças pelo fabricante do veículo.

"Por isso é inaceitável sermos tratados como piratas", afirma Fonseca, o presidente da Anfape, cujos associados se concentram em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio. Para chegar ao modelo exato da peça que vão reproduzir para colocar no mercado de reposição, os independentes fazem o que o setor automotivo chama de "engenharia reversa": compram um automóvel e o desmontam para a análise das peças. Trata-se de um procedimento que as próprias montadoras fazem para conhecer os produtos dos concorrentes.

"Não somos falsificadores", destaca Fonseca. O dirigente explica que o fabricante independente coloca o nome na peça e dá garantia. As diferenças aparecem nos preços para o consumidor. Há casos no mercado de diferenças de até 700%. Ou mais. Calotas vendidas em concessionárias por R$ 40 saem por R$ 8 no mercado dos independentes. Mas há casos de componentes plásticos de painel vendidos nas concessionárias por 12 vezes mais.

A questão das autopeças em concessionárias também já foi motivo de longas discussões. O revendedor de carros é levado a cumprir uma cota de "fidelidade" com a montadora na compra de componentes para reposição. A diferença nos preços representa um dos principais motivos que leva o consumidor a fujir das concessionárias autorizadas no momento das revisões e consertos do carro.

A Anfape compara a atuação das montadoras com outros mercados em que grandes empresas vendem um produto principal por um determinado preço - normalmente não muito caro ao consumidor -, mas, em compensação, elevam o valor dos componentes necessários ao funcionamento do produto.

"É o que acontece com os cartuchos de impressoras: a impressora tem um custo mais barato, mas os cartuchos costumam ser caros", compara o advogado Laércio Farina, do escritório Farina & Estanislau do Amaral, que atua para a Anfape. Ou do mercado de produtos para barba. "Os aparelhos de barbear não são muito caros, mas as lâminas são."