Título: Uma trilha no planeta das maravilhas
Autor: Lucki, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2007, EU & Investimentos, p. D6

Terminou na última quinta-feira, dia 21, a 14ª edição da Vinexpo, o mais importante evento vinícola do planeta e que ocorre a cada dois anos na cidade de Bordeaux, sudoeste da França. Não é surpresa que uma feira com tal relevância seja realizada no centro da região responsável por um dos vinhos mais conhecidos e prestigiados mundo afora, mas a importância da Vinexpo se deve ao seu caráter internacional e, por conseqüência, é onde se prova uma larga gama de rótulos das mais variadas procedências, além de ser o melhor local para analisar, discutir e perceber tendências do setor.

Seus organizadores procuram facilitar esse lado que interessa mais especificamente ao "trade" (que não é o meu caso). É, inclusive, o objetivo do estudo que eles encomendaram ao IWSR (International Wine and Spirit Record), instituto de pesquisas inglês que tem alguns dos dados mais precisos e detalhados do mercado mundial de bebidas alcoólicas, e que é divulgado pouco antes do evento.

De cara, um número já impressiona: as vendas de vinho no varejo alcançaram cerca de US$ 107 bilhões em 2005, montante equivalente ao que movimentou a industria de cosméticos no mesmo intervalo de tempo, e duas vezes o faturamento dos grupos Google, Yahoo, MSN e Ebay juntos. O estudo indica que essas cifras vêm crescendo de forma consistente ao longo dos últimos anos - 9,8% em relação a 2001 - e deve se manter no mesmo patamar pelo menos até 2010, período que a pesquisa abrangeu.

Nem todos os países, porém, seguirão essa tendência, o que implicará em trocas de posição no ranking dos maiores consumidores de vinho. Assim, França e Itália, até hoje os líderes em consumo total anual, serão ultrapassados pelos americanos, vindo a seguir Alemanha e Reino Unido. Rússia e China, que cresceram bastante no último qüinqüênio, alcançando respectivamente o nono e o décimo posto, subirão ainda um degrau nos próximos cinco anos.

Não é só aumento de quantidade que o estudo do IWSR indica. Há evidências apontando que os consumidores estão mais inclinados a passar a padrões de preço superiores: enquanto entre 2001 e 2005 houve um crescimento de 19,2% nos vinhos comercializados entre US$ 5 e US$ 10 a garrafa e apenas 1,3% nos acima de US$ 10, no período que se segue estas mesmas faixas crescerão 9,1% e 17,2%. Quem produz vinho mais barato, abaixo de US$ 5, terá de abrir o olho e/ou procurar se esmerar já que a previsão é de quase estagnação, ou apenas 2,4%. São sinais de amadurecimento do mercado e aumento da cultura do vinho.

Ah, antes que eu me esqueça: estes valores são os praticados em países onde vinho não é penalizado com cargas absurdas de impostos, como é o nosso caso. No Brasil estes números deveriam ser multiplicados por três ou quatro, se não mais.

Deixando as estatísticas de lado, o que realmente interessa na Vinexpo é aproveitar os vinhos propriamente ditos, e há muito para degustar, dentro - são 41 mil m² de área de estandes - e fora do recinto da feira. Em termos de expositores, há os grandes grupos, sem dúvida, mas existem também médios e pequenos produtores agrupados. Estes últimos, principalmente, em torno da associação que os reúne.

É possível, então, provar em série uma batelada de vinhos do Rhône, ou da Provence, falando da França, que ocupa 58% da superfície total, e de outros países como Espanha segundo maior país presente na feira, com quase 4 mil m² de área; Itália, terceiro com 3,8 mil m²; Portugal, quarto com 1,3 mil m²; Chile, com 1,1 mil m², mas também Argentina, Uruguai, Alemanha e Áustria, por exemplo, representando ao todo 45 nações.

Um dos atrativos sempre foi e continua sendo provar vinhos que ainda não chegaram ao mercado ou estão prestes a serem lançados. A lista de destaques é enorme, mas cabe citar, entre os tantos que são comercializados no Brasil, alguns belos tintos do Douro - Pintas, Vale Meão, Passadouro e Poeira, todos da Mistral - da belíssima safra de 2004, bem como a de 2005, que ensejou vinhos frescos e elegantes. No campo da Argentina, continuo atraído pelo elegante Lindaflor, ainda mais com o 2004, e o Clos de los Siete 2006 (ambos da Grand Cru), cada vez melhor e justificando mais seu (já bom) preço.

Do Chile, a Santa Emiliana (Magna Import), que já produz o ótimo tinto biológico Coyam, com a assessoria do competente Álvaro Espinosa, acaba de sair com um novo e interessantíssimo top de linha com certificação biodinâmica, o "Ge" ("terra" em grego). A sempre consistente e confiável Viña Santa Rita (Grand Cru) estará logo na praça com três belos tintos da safra 2004: o Triple C, que não é lançado todos os anos - o último foi em 1999 -, o novo Pehuèn ("araucária" no idioma mapuche), um generoso e moderno carmenère da região de Apalta, e o eterno xodó Casa Real.

Degustações paralelas oficiais Por mais que houvesse uma lista extensa de vinhos interessantes para se provar nos estandes da feira, e é onde normalmente eu me concentrei nas vezes anteriores ansioso para descobrir novidades, devo admitir que desta vez me deixei seduzir pelas degustações constantes do programa oficial da Vinexpo. Não dava para resistir, e mesmo assim, por ocorrerem em horários concomitantes, deixei, a contragosto, de participar de muitas. Não daria, eram cerca de 70! Contemplam os mais variados temas, de países e regiões, que se utilizam da grande vitrine, que é a feira, para expor o que produzem de melhor.

A primeira delas, logo no segundo dia da exposição, foi promovida pelo ICEX, órgão encarregado de promover produtos da Espanha no exterior, em comemoração aos seus 25 anos. Para tanto convidaram o mais respeitado e influente jornalista francês, Michel Bettane, para comandar uma prova com 25 dos mais representativos vinhos do país, entre Cavas, brancos, tintos e Jerez, boa parte deles nomes consagrados. Só para citar alguns: Villa de Corullón 2004 (Mistral), que Álvaro Palácios e seu sobrinho Ricardo produzem na região de Bierzo; o surpreendente El Seque, da D.O. Alicante, típico da fase de modernidade dos espanhóis; o Finca Dofí 2003 (Mistral), um dos belos rótulos que Álvaro Palacios elabora no Priorato; o Aalto PS 2001(Península), que o craque Mariano Garcia molda em Ribera del Duero e que foi eleito melhor vinho do ano pela revista espanhola Sibaritas; o Artadi Pagos Viejos 2004 (Mistral), um dos meus tintos ibéricos preferidos; o Pintia 2004 (Mistral), que me fez rever meu conceito, até então ruim, sobre esse vinho produzido pela Veja Sicília em Toro; e, finalmente, o Lustau Pedro Ximenes Murillo, um xérèz doce de grande estirpe para celebrar dignamente a data do ICEX.

A corrida para sair e ainda pegar a "Saga dos Grandes Borgonhas tintos, 1985-2005", por pouco não valeu a pena. A rigor, a expectativa é que era muito grande já que ainda estava na memória - e vai continuar - a excepcional prova com a integralidade dos grand crus da região, realizada na mesma Vinexpo há dois anos. A seleção era heterogênea mesclando crus importantes e boas safras, com outros bem menos relevantes, além de, pecado mortal em se tratando de Borgonha, produtores/negociantes de segunda linha.

Enfim, justifica-se o esforço pela oportunidade de degustar Nuits St Georges 1er cru Aux Perdrix e Echezeaux das safras 2002 e 2003 do Domaine des Perdrix; uma gama de grand crus entre 1999 e 2005 do Domaine de la Vougeraie; os Cortons Rognot 1985 e 1995 do Domaine Arnoux; o Clos Vougeot 2001 de Méo Camuzet; e uma pequena vertical de Pommard 1er cru les Epenots entre 1985 e 2004 de Anne Parent.

Entre degustações tal qual a que comparava Rieslings austríacos, alemães e australianos, conduzida pelo três vezes vice-campeão mundial de sommeliers, Gérard Basset, e vinhos da região do Piemonte, entre outras, cabe registrar a tradicional prova de "primeurs" de Bordeaux que a Vinexpo sempre proporciona e que contempla tintos, brancos e Sauternes do ano anterior, desta vez os de 2006. Como já me referi aqui nesta coluna do Valor, duas semana atrás, o lançamento desses bordeaux gera sempre muita polêmica e hoje não é diferente. Há muita discussão acerca dos preços bem acima do esperado que os châteaux definiram - por volta de 30% abaixo dos astronômicos valores dos 2005, que ao menos eram fruto de uma colheita considerada excepcional - quando o mercado imaginava algo ao redor dos 2004.

A bem da verdade, depois de degustar boa parte deles, na minha opinião 2006 é bastante heterogênea, mas, na média, é superior qualitativamente a 2004, o que, de qualquer forma, em princípio, não justifica o que é pedido por eles. No geral, Pomerol, num primeiro plano, e St Emilion em seguida, são mais confiáveis, ainda que haja rótulos interessantes na margem esquerda. Aqui, até que os preços se definam melhor, minhas recomendações ficam no Pichon Longueville, Rauzan-Ségla, Gruaud Larose, Léoville Barton e Clerc Millon.

Eventos e degustações paralelos à feira Muitos produtores, associações oficiais e particulares, se utilizam da presença de público especializado para promover eventos em paralelo, fora do espaço da feira. Esse modelo foi utilizado pela prestigiada casa alsaciana Trimbach (Zahil), que promoveu seus vinhos associando-os a almoços num dos hotéis situados ao lado da Vinexpo, que também sediou uma série de degustações de alto nível, igualmente capitaneadas pelo requisitado Michel Bettane. Na primeira, ele escolheu a dedo 30 produtores de primeira grandeza de várias partes do planeta - a maioria franceses, mas também representantes do Chile (a Casa Lapostolle), da Alemanha, da Espanha, de Israel (Domaine du Castel) e um Vinho do Porto (Taylor´s), e na segunda uma super-seleção de 16 italianos, com nomes como Roberto Voerzio, Bruno Rocca (ambos da World Wine-La Pastina), Felsina (Expand), Ornellaia, Isole e Olena (Mistral), Masciarelli, Montevetrano (ambos da Cellar), e Planeta (Interfood).

Mais descontraída, sem, entretanto, deixar de oferecer ótimos vinhos foi a "pool party", jantar em torno de uma piscina nas cercanias da cidade de Bordeaux, organizada pelos Douro Boys, de Portugal, e alguns produtores de Ribera del Duero, caso da Aalto, Telmo Rodrigues, e Mauro.

A despeito de se regalar com atividades desse padrão e me desculpando pela ousadia da comparação, não há como se equiparar, no que diz respeito a vinhos, ao evento oferecido para convidados pelo negociante bordalês Duclot no Museu de Arte Contemporânea de Bordeaux.

Naquele prédio antigo, magnificamente restaurado e no meio de obras de arte imponentes, foi reunido o que existe de melhor em Champagne, Bordeaux e Porto: Bollinger La Grande Anne 99, Krug 95, Amour de Deutz Blanc de Blancs 98, Grand Siècle NV, Dom Pérignon 99, Dom Ruinart 96, Cristal 99, Taitinger Comtes de Champagne 98 e La Grande Dame 98; os oito Premiers Grands Crus Classés (só faltou Ausone) - Cheval Blanc, Haut Brion, Lafite, Latour, Margaux, Mouton Rothschild, Petrus, e Yquem - mais o La Mission Haut Brion, todos da safra 2001; e nove dos melhores Portos Vintages 2003 - Cockburn´s, Croft, Dow´s, Fonseca, Graham´s, Noval, Sandeman, Taylor´s e Warre´s.

Se é difícil comparar com outras degustações ocorridas durante a Vinexpo, é igualmente complicado apontar o melhor, mesmo em cada gênero. Ainda assim entre os champagnes, embora haja disparidade de modelos e, principalmente, de safras, eu daria algum supremacia para o Krug e Deutz; entre os Portos, o Fonseca e o Taylor´s; e nos Bordeaux, dois destaques, com estilos diferentes, mas divinos: a elegância e sofisticação do Margaux e a força e exuberância do Petrus.