Título: Estudo de Coutinho e Ferraz de 1993 é a base da atual política industrial
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2007, Brasil, p. A2

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e o economista João Carlos Ferraz, primeiro nome escolhido por ele para integrar a diretoria do banco, coordenaram em 1993 a produção de extenso diagnóstico seguido de propostas, denominado "Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira", sob encomenda do Ministério da Ciência e Tecnologia. As recomendações centrais do trabalho compõem a essência da política industrial do atual governo, implantada em março de 2004, mais de dez anos depois.

"A política de desenvolvimento competitivo da indústria brasileira não será eficaz se não tornar os setores difusores de progresso técnico capazes de contribuir para a modernização do parque industrial. A competitividade estrutural de toda a indústria depende da existência de um forte setor de bens de capital, incluindo a presença de um complexo eletrônico com grau de desenvolvimento compatível com os requisitos de modernização da indústria na atualidade, e da disponibilidade de insumos da química fina e da biotecnologia adequados às especificações locais", diz a abertura das proposições do trabalho de 320 páginas.

A política industrial do governo Lula, que tem no BNDES o seu principal instrumento financeiro, prioriza justamente os segmentos de software, de semicondutores (ambos do complexo eletrônico), de fármacos (química fina) e de bens de capital (máquinas e equipamentos).

O documento, uma parceria com vários órgãos, liderados pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de Coutinho, e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de Ferraz (hoje na Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), afirma que "a proposta básica é que se busque excelência internacional em linhas de produtos onde exista potencial de demanda, vantagens de proximidade com os clientes e capacitação mínima e, a partir dessa base, evoluir alavancando competitividade para produtos afins".

Produzido em um momento muito diverso da economia brasileira, com o país ainda mergulhado no espiral inflacionário, ao mesmo tempo em que tentava consolidar e corrigir os excessos da política de abertura comercial iniciada em 1990, o estudo ainda trabalha com condicionantes hoje superadas, como a das privatizações, naquele momento em fase inicial. Apesar disso, já profetiza fatos, apontando os efeitos danosos da Zona Franca de Manaus sobre a difusão pelo resto do país de setores industriais de ponta: "A implantação da indústria de bens eletrônicos de consumo na Zona Franca de Manaus destruiu por completo a indústria então existente no restante do país e ainda hoje cria obstáculos sérios para uma política adequada para o complexo eletrônico", diz o texto.

Após alertar para a persistência de ameaças a outros setores, caso a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) "continue a tentar criar vantagens comparativas artificiais", o item sobre o tema da Zona Franca conclui: "No setor de equipamentos de telecomunicações, por exemplo, a questão vem assumindo destaque, embora este seja um setor com condições de desenvolvimento competitivo sem o apoio maciço de subsídios, como seria o caso de sua transferência completa para a Zona Franca". A transferência, de fato, ocorreu quase que inteiramente, principalmente no que se refere a aparelhos de telefonia celular e fixa.

O trabalho destaca a posição do BNDES como "a única fonte no país de recursos em condições adequadas à viabilização de investimentos" e sugere iniciativas em grande parte tomadas nos últimos tempos, como a ampliação dos limites de financiamento para setores prioritários. Escrito em um período no qual o papel empresarial do Estado brasileiro era bem maior, o trabalho enfatiza a importância do uso do poder de compra do Estado, já ressaltando que essa importância não se extingue com a venda das empresas. "Mesmo que se amplie o processo de privatização nos serviços de infra-estrutura, o poder de regulação do Estado deverá ser mantido e, por conseguinte, o seu poder de indução ao aumento da competitividade dos seus fornecedores".

Embora naquele momento o grande dilema macroeconômico brasileiro fosse a superinflação, o documento ressalta temas hoje em evidência, como a taxa de câmbio e a taxa de juros, entre os "fatores sistêmicos" (externos às empresas) determinantes da competitividade. O estudo coordenado por Coutinho e Ferraz foi a base para um livro com o mesmo título publicado pela Editora Papirus, da Unicamp. Segundo informações da editora, foram publicadas quatro edições de 1995 a 2002, todas esgotadas.