Título: Brasil decide adotar nova estratégia após fracasso de Potsdam
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2007, Brasil, p. A3

O Brasil poderá combinar três novas atitudes no rastro do fiasco de Potsdam, que aprofundou o estado calamitoso da Rodada Doha, na Organização Mundial do Comercio (OMC). Primeiro, o país vai se expor menos com o novo formato para tentar salvar a negociação global. Continuará no centro das articulações, até pelo seu peso como segundo maior exportador agrícola mundial, mas terá agora a companhia de outros emergentes nas barganhas decisivas, em reuniões restritas.

Segundo, o Brasil pode endurecer no ataque aos subsídios agrícolas dos Estados Unidos. Já estava certo que participaria da disputa aberta pelo Canadá na OMC contra as subvenções americanas, mas só como terceira parte. Agora, o governo brasileiro pensa ir além e entrar como co-demandante no contencioso. Isso terá mais que um forte teor simbólico. Ao invés de ser apenas observador, o país poderá coordenar com os canadenses as estratégias de ataque. A decisão será tomada esta semana.

Terceiro, o governo brasileiro quer acelerar alternativas à Rodada Doha. Nesse cenário, pressionará outros países em desenvolvimento para concluir até o final do ano a negociação Sul-Sul, que prevê troca de concessões tarifárias em torno de 30% só entre esses países. Essa discussão se realiza através do Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), mecanismo da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e toma maior dimensão para o país, já que 62% de suas exportações vai para países em desenvolvimento.

Enquanto isso, os Estados Unidos insuflam nos bastidores um grupo de 14 países em desenvolvimento, coordenados pelo Chile, a entrar em cena na OMC e colocar proposta de corte mais ambicioso na importação de produtos industriais. Esse grupo não mencionará cifras, mas a idéia é uma fórmula com coeficiente de corte entre 18 e 22, próximo do que americanos e europeus propuseram em Postdam, e que o Brasil e India recusaram por considerar que provocaria "desinvestimento e desindustrialização".

O grupo inclui México, Colômbia, Tailândia e Paraguai, membros do G-20 como o Chile, além de outros que deixaram o grupo do Brasil após Cancún, por pressão americana, como Costa Rica, Peru e Equador.

Quando reuniu o G-20 na sexta-feira, o ministro Celso Amorim detalhou o que aconteceu em Potsdam e, em seguida, perguntou se alguém queria falar. Ninguém se manifestou. Diplomata brasileiro argumenta que é isso ocorreu porque embaixador evita debater com ministro. "No G-20, todos pareceram de acordo com o que eu estava falando", interpretou Amorim.

Negociadores notam que "todo grupo tem suas dificuldades" e que o Brasil quanto mais tenta fazer, mais se expõe como "representante do G-20", "procurando refletir" a posição dos outros países em desenvolvimento, e nem sempre encontra "céu de brigadeiro".

Na reunião do Comitê de Negociações Comerciais, que discutiu o pós-Potsdam, o embaixador Clodoaldo Hugueney reagiu com firmeza às avaliações dos Estados Unidos e da União Européia, que falavam de progressos na área agrícola e atribuíam o fiasco à discussão de produtos industriais. "Parece que eu estava em outra reunião", reagiu Hugueney, insistindo na importância "da verdade nas relações internacionais".

O curioso é que a Argentina, que pressionou para o Brasil endurecer na negociação industrial, ficou calada na OMC, sem manifestar apoio público ao seu sócio do Mercosul. Só tarde da noite o ministro das Relações Exteriores, Jorge Taiana, tentou corrigir a ausência amplamente notada, telefonando a Amorim, que já dormia. Taiana deixou o recado de que a Argentina apoiava a postura brasileira, mas o Itamaraty deixou claro que preferia que a Argentina manifestasse isso publicamente. "Business is business, cada um defende seus interesses", já tinha avisado a senadora argentina Cristina Kirchner, quando visitou a OMC.

Uma última tentativa desesperada para salvar a Rodada Doha pode ocorrer no final de julho. Se houver uma "dinâmica" na negociação depois da publicação dos textos dos mediadores agrícola e industrial, o diretor-geral, Pascal Lamy, poderá convocar reunião de uns 30 ministros.

Os textos, para servir de base para um acordo entre os membros como um todo, deveriam sair esta semana. Foram adiados, porque, no contexto atual, seriam estraçalhados no dia seguinte. Haverá antes muita consulta entre os países. "Agricultor não planta quando há furacão", notou o mediador agrícola, Crawford Falconer.

A tensão, porém, baixou ligeiramente depois que a representante comercial americana Susan Schwab e o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, tomaram a iniciativa de procurar o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Schwab foi até a residência brasileira em Genebra "tomar um chá". Mandelson telefonou.

"Há uma nítida visão de que não só a nossa firmeza tinha fundamento, legitimidade, como precisam do Brasil e da Índia", disse Amorim. "'Sem que eu tenha me movido, eles procuraram falar comigo de coisas substanciais, não é nenhuma negociação, mas dizer que querem tentar salvar (a Rodada Doha), então tudo bem. Isso reforça minha convicção de que fiz a coisa certa". E acrescentou: "Vai ver, o que parecia tão absurdo em Potsdam, não parece mais tanto. Se eles estão correndo atrás, é porque tem alguma coisa aí."