Título: Quem são e o que fazem os empresários de Néstor Kirchner
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2007, Especial, p. A14

Um dos maiores negócios privados dos últimos anos na Argentina está para se concretizar com a venda, pela petroleira espanhola Repsol, de 45% do capital de sua subsidiária Repsol-YPF. Pela transação, avaliada em aproximadamente US$ 14 bilhões, a Repsol pretende vender 25% das ações para um sócio local e os demais 20% serão pulverizados através de uma oferta pública nas bolsas de valores.

Desde que a companhia espanhola anunciou a intenção de se desfazer das ações, em maio, Enrique Eskenazi, um dos empresários mais próximos ao presidente Néstor Kirchner, apareceu como o candidato a sócio local. Alegando ter um contrato de confidencialidade que acompanha a negociação, Eskenazi não dá entrevistas sobre o tema. Porém, no último domingo o jornal "Clarín" trouxe uma entrevista "off the record" (em que o entrevistado não se identifica) com um executivo do grupo que, aparentemente, é um dos filhos do empresário, confirmando a negociação.

Dono de quatro bancos provinciais, comprados na época das privatizações, nos anos 90 - Santa Cruz, Santa Fé, Entre Rios e San Juan -, Eskenazi é controlador do grupo Petersen, um dos mais antigos da Argentina, fundado no início do Século XX. Além dos bancos, tem interesses na área de construção e uma vinícola.

Mas Eskenazi ficou mais conhecido no país como o banqueiro a quem Néstor Kirchner confiou a gestão de aproximadamente US$ 590 milhões do Orçamento da Província de Santa Cruz, da qual era então governador (1991-2002). Kirchner havia remetido esse dinheiro para fora do país antes da crise de 2001, para escapar da maxidesvalorização seguida do "corralito" - a restrição aos saques bancários imposta a todos os cidadãos - e repatriou-o em 2005.

Eskenazi é membro de um seleto clube de empresários nacionais com os quais Kirchner conta para tocar projetos e obras públicas. São destaques no grupo, que em Buenos Aires se conhece como "empresários K": Eduardo Eurnekian, presidente da Aeropuertos Argentina 2000 (AA2000), concessionário de todos os aeroportos do país; Jorge Brito, presidente e principal acionista do Banco Macro, um dos maiores entre as instituições financeiras locais; Marcelo Mindlin, um homem que veio da construção civil para o setor de energia; e Gerardo Ferreyra, dono da Eletroingenieria, que também é da área de energia.

O caso da venda das ações da YPF é emblemático do relacionamento do governo Kirchner com alguns empresários. A participação de Eskenazi no negócio tem levantado indagações até agora sem respostas convincentes. A começar pela desproporção: o grupo Petersen, que fatura cerca de US$ 100 milhões, estará entrando em um negócio em que deverá desembolsar US$ 3 bilhões, em uma área completamente alheia à sua expertise (construção, bancos e vinhos). Também não há muita explicação para o fato de que outros grupos fortes da área de energia não se interessaram pelo negócio, sabendo-se que a YPF é a segunda maior empresa da Argentina (depois do grupo Techint), líder no estratégico setor de petróleo, e que continuará sócia de um dos mais importantes grupos mundiais de petróleo e gás.

Mas sabe-se que Kirchner manifestou em várias ocasiões a políticos próximos que seu sonho era reestatizar a YPF, seguindo os passos de seus colegas Evo Morales e Hugo Chávez. A YPF foi vendida para os espanhóis pelo ex-presidente Carlos Menem em 1998, por US$ 15 bilhões. Diante de manifestações contrárias do governo espanhol a esse "sonho", o ministro da Casa Civil, Alberto Fernández, foi a público em março desmentir os rumores de estatização da YPF.

Altos funcionários da Casa Rosada já comentaram, sob condição de anonimato, que o governo apóia Eskenazi e que pretende comemorar a "argentinização" da YPF antes das eleições de outubro. Na entrevista ao "Clarín", o executivo do grupo Petersen negou que o empresário tenha apoio do governo na empreitada e explicou que a decisão de entrar para o negócio de energia foi tomada há dois anos, ao concluírem que já haviam alcançado todo seu potencial na área bancária. Detalhe: o crédito bancário na Argentina é de apenas 10% do PIB.

Outra mostra da presença dos "empresários K" foi dada em um negócio envolvendo a Petrobras. Forçada pelo próprio governo a se desfazer de 50% do capital da Transener, a maior empresa de transmissão de energia do país, a Petrobras viu rejeitada a venda das ações para o fundo de investimentos americano Eton Park. A Enre, agência reguladora do setor energético - controlada diretamente pelo Ministério de Planejamento e Obras, cujo titular é Julio De Vido, o mais poderoso ministro do governo Kirchner - argumentou que o Eton não tinha experiência na área de transmissão. Em seguida, apareceu uma nova proposta pelas ações, do empresário argentino Gerardo Ferreyra, da Electroingenieria. Ferreyra, que já havia feito uma proposta à Petrobras, recusada por ser menor que a do Eton, voltou ao páreo, desta vez em parceria com a estatal Enarsa, equivalente à brasileira Eletrobras. Até agora o negócio está em renegociação.

Marcelo Mindlin, um jovem empresário que cultiva um perfil discreto, é outro que a cada dia ganha mais espaço na economia da era "K". Pertence a uma família judia conservadora que apóia o presidente e começou sua carreira como diretor de assuntos políticos do comandante do grupo IRSA, Eduardo Elsztain, o maior incorporador imobiliário da Argentina. Próximo ao ministro De Vido, Mindlin vem investindo fortemente em geração e distribuição de energia elétrica.

Através de uma de suas empresas, a Pampa Holding, controla as geradoras Central Térmica Güemes, de Salta, Los Nihuiles, de Mendoza, Loma la Lata, de Neuquén. É também o principal acionista da distribuidora Edenor e tem 10% da Central Puerto, que abastece a Grande Buenos Aires.

Mindlin mantém ainda um fundo de investimentos em participações ("private equity"), o Pegasus, através do qual tem negócios nos mais diversos ramos, de alimentos, a farmácias, sorvetes e lojas de discos. Na terça-feira, somou mais uma central à sua lista, ao anunciar a compra, por US$ 85 milhões, da Comandante Luis Piedrabuena, de Bahia Blanca, província de Buenos Aires. "Mindlin está se transformando no símbolo da nacionalização privada da energia argentina", afirma um consultor do ramo que conhece a fundo os meandros empresariais do país.

O discurso do presidente Kirchner é centrado na crítica ao neoliberalismo e às privatizações do governo Carlos Menem (1989-1999). Mas quase todos os hoje chamados "empresários K" cresceram no coração do modelo econômico menemista. É o caso de Eduardo Eurnekian, principal acionista da Aeropuertos Argentina 2000 (AA2000).

Eurnekian começou no setor têxtil e passou pelo negócio de TV a cabo, antes de assumir os aeroportos, privatizados por Menem. Sua relação com Kirchner começou bem, em outubro de 2004, quando foi anunciado um investimento de 25 milhões de pesos na remodelação do aeroporto de Río Gallegos, capital de Santa Cruz, terra natal do presidente. Na ocasião, Eurnekian foi elogiado em público pelo presidente, na festa de inauguração.

Em 2006, o controlador da AA2000 foi surpreendido com uma cobrança de dívidas fiscais, durante a inauguração de um aeroporto em Córdoba. Logo depois, entrou em um acordo para repassar ao Estado 20% do capital da empresa, em troca do pagamento da dívida, calculada em 850 milhões de pesos em impostos e taxas. Depois disso, o relacionamento de novo melhorou e Eurnekian chegou a emprestar seu helicóptero e seu jatinho Gulf Stream para algumas viagens presidenciais, segundo registrou a imprensa local.

Já Jorge Brito, controlador do Banco Macro, tem uma história diferente. Presidente da Associação dos Bancos Privados da Argentina (Adeba), foi o executivo que comandou a grande expansão do Macro desde que comprou os bancos Suquía (de Tucuman), Salta, Jujuy e Bansud, antes e depois da crise de 2002.

Brito soube aproveitar um momento de extrema fragilidade do sistema financeiro argentino. Diante do vácuo de liderança no setor, que se formou com a saída dos bancos estrangeiros e a quebra de bancos locais, reforçou seu próprio banco e assumiu a Adeba. Ao mesmo tempo, aproximou-se do presidente Kirchner. "Desde então, dá apoio institucional e defende o governo junto aos demais banqueiros", afirma um economista