Título: Tesco planeja conquistar os EUA com novo modelo
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Fonte: Valor Econômico, 25/06/2007, Empresas, p. B4

Uma loja solitária diante de um estacionamento empoeirado em uma das áreas mais pobres de Phoenix, Arizona, não é um lugar auspicioso para iniciar uma experiência atentamente observada sobre o varejo global. Mesmo assim, é nesse lugar que a Tesco, a maior rede de supermercados do Reino Unido, tentará estabelecer sua posição no mercado de secos e molhados mais rico do mundo.

Até o fim do ano a Tesco abrirá pelo menos 21 lojas nessa cidade árida. E muitas mais - ela não revela quantas - em Las Vegas, San Diego e Los Angeles. Ela pretende abrir, em algumas áreas dos Estados Unidos de crescimento mais acelerado, as mercearias Fresh & Easy à taxa de três por semana. A Tesco identificou até 100 lugares para iniciar seu plano de investir 250 milhões de libras (US$ 500 milhões) por ano. Comenta-se que um novo armazém a leste de Los Angeles poderá suprir, sozinho, cerca de 400 lojas.

Pelos padrões do varejo nos EUA, a Tesco está apenas mergulhando um dedo no oceano. Mesmo assim, as conseqüências poderão ser enormes. A Tesco é um grupo varejista formidável, tendo se transformando da terceira maior rede britânica de supermercados em vendas, na terceira do mundo - atrás apenas de Wal-Mart e Carrefour. Nessa trajetória, a participação da Tesco no mercado de secos e molhados do Reino Unido superou os 30% e, assim como a Wal-Mart nos EUA, ela começou a enfrentar críticas por causa do poder que tem sobre o mercado.

Esse é um dos motivos da Tesco ter se aventurado fora do país. Um outro ficou claro na semana passada: a empresa anunciou uma expressiva desaceleração na taxa de expansão das vendas em suas lojas britânicas no primeiro trimestre, graças a uma queda nos gastos do consumidor e ao aumento da concorrência. Suas ações caíram quase 5% em razão da notícia. Mas isso foi compensado pelas vendas internacionais, que cresceram 25%. A Tesco está crescendo em lugares como o Leste Europeu e a China, onde ela adapta seus supermercados às condições locais.

Nos EUA ela está tentando algo completamente diferente. A operação está envolta em segredo - a Tesco está fazendo de tudo para não entregar o ouro aos concorrentes. Quando ela testou o layout de uma loja simulada em Santa Mônica, ela fez isso escondendo-a dentro de um armazém. Ela encheu as prateleiras com alimentos embarcados da Costa Leste dos EUA e as pessoas foram informadas de que se tratava apenas do cenário de um filme.

O sigilo e a velocidade com que a Tesco deverá abrir suas novas lojas são um sinal dos riscos envolvidos. Se a Tesco fizer uma aposta pequena e ganhar, os concorrentes terão tempo para copiá-la antes dela alcançar massa crítica. Fazer uma grande aposta é mais perigoso, mas poderá ser a melhor maneira de explorar um modelo que poderá ser ampliado rapidamente para milhares de lojas num mercado que recompensa as inovações como nenhum outro. "No varejo não há grandes barreiras de entrada", diz Sir Terry Leahy, o principal executivo da Tesco. "Esse é um dos motivos pelo quais você não pode demorar para testar as coisas. É preciso lançar e seguir em frente."

Algumas pessoas já decidiram apostar no sucesso da Tesco. No ano passado, Warren Buffett, um dos investidores mais bem sucedidos dos EUA, revelou que sua companhia Berkshire Hathaway havia comprado quase 30% da Tesco, tornando-se um de seus maiores acionistas. Buffett admira planejamento cuidadoso e a Tesco tem isso.

A companhia passou anos recolhendo informações detalhadas sobre cada aspecto da vida americana. A maioria dos grupos varejistas pensaria ter feito a lição de casa depois das pesquisas e definição de foco usuais, mas a Tesco foi mais além. Pesquisadores, que incluíram alguns executivos da cúpula, passaram duas semanas convivendo com 60 famílias americanas. Eles bisbilhotaram armários de cozinha, observaram as pessoas cozinhando e as seguiram nas compras nos supermercados. "Eles estudaram a cidade durante cerca de um ano antes de nos procurar", diz Scott Motley, que trabalha na Prefeitura de Phoenix.

Até mesmo as lojas parecem fazer parte de um plano maior de continuar recolhendo informações. É só pegar como exemplo a variedade de distritos em que a Tesco pretende construir algumas das primeiras lojas. No centro da cidade ela escolheu uma das áreas mais pobres. As famílias que vivem num raio de 1,5 km da loja possuem uma renda anual média de apenas US$ 37,5 mil (nos EUA a renda média é de cerca de US$ 44 mil). No bairro próximo de Chandler, de classe média, as lojas serão construídas com o objetivo de atrair os habitantes mais ricos da cidade. Lá, a renda média chega a cerca de US$ 93 mil. Essa torrente de dados comparativos é essencial ao plano: a Tesco está se preparando para mudar a maneira como os americanos fazem compras e se alimentam.

Assim como na maioria dos mercados varejistas, as lojas americanas estão se dividindo entre aquelas que vendem artigos de luxo e as que vendem artigos baratos. Tanto a Whole Foods Market (artigos de luxo) como a Wal-Mart (artigos populares) estão entre as empresas americanas que mais crescem (embora o ritmo das duas tenha diminuído um pouco recentemente). Os varejistas que operam no mercado intermediário, como a Kroger, a Safeway e a Albertson, três dos maiores vendedores de secos e molhados dos EUA estão sendo espremidos. Eles estão sendo pressionados a reduzir os preços e as margens nas ocasiões em que a Wal-Mart invade suas áreas. E eles estão sendo simultaneamente pressionados a investir na melhoria de suas instalações para não perder os clientes mais endinheirados.

O que a Tesco vai oferecer nos EUA irá contra essa maré. Ela quer posicionar a Fresh & Easy no mercado intermediário. A companhia espera repetir o sucesso que teve no Reino Unido em atrair compradores de todos os principais grupos sociais. Até recentemente, a classe social tinha no Reino Unido um papel tão importante em determinar onde as pessoas compram, quanto os preços e a conveniência. A Tesco também será pioneira de outras duas maneiras importantes: o tamanho de suas lojas e a variedade de produtos que elas vão vender.

A maior parte dos pontos de venda da Fresh & Easy será relativamente pequena, cerca de 930 metros quadrados. É mais ou menos o mesmo tamanho das lojas da Walgreen, uma rede de drugstores, mas a maioria dos grupos varejistas americanos que operam no setor de alimentos ou são muito maiores (seis lojas da Fresh & Easy cabem dentro de um supermercado típico e é preciso dez para dar o tamanho de uma loja típica da Wal-Mart), ou muito menores (cada uma delas é cerca de três vezes o tamanho de uma loja de conveniência 7-Eleven).

O tamanho é importante? No setor de supermercados dos EUA, onde a regulamentação não é rígida, a maioria dos consumidores vive a poucos minutos de carro de um grande supermercado. Normalmente eles têm estacionamentos enormes, funcionam a noite toda e possuem uma boa seleção de tudo que se pode imaginar: medicamentos vendidos sob receita, rações para animais de estimação e refeições quentes feitas no local.

No entanto, a conveniência possui muitas dimensões. A Tesco está apostando que existe demanda por lojas menores perto de casa com um número menor de produtos, o que torna mais fácil achar as coisas. As pessoas têm muita pressa para parar em um supermercado e usam os pequenos pontos de venda da 7-Eleven, dos quais existem perto de 1,2 mil apenas na Califórnia. Mas o alcance delas é limitado. A Retail Forward, uma consultoria americana, avalia que perto de 40% das vendas de conveniência são de cigarros e tabaco, seguidos de perto por cerveja e vinhos. Quanto aos alimentos, a maioria oferece pouco mais que salgadinhos e pizzas congeladas. "O consumidor americano típico das lojas de conveniência seria Homer Simpson", diz Ira Kalish, um especialista em varejo da firma de contabilidade Deloitte. "Nenhuma loja junta conveniência com comida de qualidade."