Título: Bagaço de cana pode adicionar uma usina do Madeira ao setor
Autor: Capela, Maurício e Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2007, Empresas, p. B6

De cana em cana, de corte em corte, uma revolução ainda silenciosa começa a tomar conta das usinas de álcool e açúcar espalhadas pelo Brasil. Certos de que é só uma questão de tempo para que o etanol deixe de ser coadjuvante para dividir o papel de ator principal no mercado mundial de combustíveis com o petróleo, os usineiros do país resolveram não perder tempo. E investem pesado no aumento da área plantada, na incorporação de tecnologias e até na melhora do padrão genético da matéria-prima. E como efeito colateral de tanto esforço, nove entre dez produtores já perceberam que não é só de etanol e açúcar que se vive. Também dá para fazer bom dinheiro transformando o bagaço da cana em megawatts (MW).

Portanto, é com esse cenário à mesa que consultorias, comercializadoras de energia no mercado livre e os próprios usineiros rabiscam um punhado de projeções. E o resultado revela que seria possível adicionar entre 6 mil MW e 8 mil MW ao potencial instalado de geração de energia do país. Em outras palavras, é como se a moagem de toneladas e toneladas de cana que hoje são queimadas com efeitos perversos ao meio ambiente pudessem gerar o equivalente à usina hidrelétrica do rio Madeira, cujo projeto prevê potência instalada de 6,48 mil MW.

"Acho bastante factível que as usinas de álcool e açúcar gerem um excedente de energia ao redor de 6 mil MW", afirma Marcelo Parodi, co-presidente da comercializadora de energia Comerc. "Podemos chegar a 8 mil MW com a atual produção brasileira de cana", afirma Onório Kitayama, consultor de energia da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).

O consultor da Unica conta que os investimentos nesta área começaram na década de 90, mas ganharam força nos últimos quatro anos. Cerca de R$ 4 bilhões já foram aplicados neste período e novos aportes já foram anunciados.

"Todos os novos projetos de usinas, que somam US$ 15 bilhões em quase 90 unidades até 2012, já contemplam investimentos em co-geração", diz Kitayama. E, segundo Carlos Roberto Silvestrin, vice-presidente executivo da Associação Paulista de Cogeração de Energia (Cogen/SP), entre 2007 e 2011 outros R$ 4 bilhões serão injetados no setor para aumentar a atual capacidade instalada e para aportes em novos planos. Com os novos projetos de usinas concluídos, o potencial de geração de energia chegará a 11.000 MW, em uma projeção conservadora.

O fato é que tanto a conta de Kitayama como as análises, por exemplo, da comercializadora Grym, que estima os cerca de 6 mil MW de energia excedente atual, baseia-se na moagem de 500 milhões de toneladas de cana prevista para a safra 2007/08. E a diferença entre um indicador e outro reside justamente na disponibilidade de bagaço, com a inclusão da palha para a geração.

Hoje, praticamente todas as usinas de álcool e açúcar geram energia para o seu próprio consumo, mas somente 10% delas (de um total de 350 unidades) comercializam excedente no mercado. Portanto, a negociação desse excedente soma ao redor de 1,7 mil MW. A região de Ribeirão Preto (SP), maior pólo produtor de cana do país, responde por 35% da co-geração a partir do bagaço, afirma Eduardo de Amorin, diretor regional da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em Ribeirão. "Há um potencial de clientes que podem comprar energia das usinas na própria região."

Mas apesar das entusiasmadas projeções, muitos agentes do setor ainda carregam dúvidas. Uma delas, por exemplo, diz respeito a sazonalidade da matéria-prima, já que o bagaço de cana somente é obtido no período da safra que ocorre entre maio e novembro de cada ano. Outra é mais filosófica e procura entender o real posicionamento dos usineiros a respeito da geração de energia.

A julgar pelos últimos movimentos no setor sucroalcooleiro, contudo, a energia originada do bagaço de cana tem tudo para ser definitiva. Primeiro, porque há uma percepção por parte dos usineiros de que a geração de energia a partir da cana não é mais um subproduto e sim uma terceira fonte de negócios. Tanto que as novas usinas de álcool e açúcar já adotam caldeiras maiores que geram mais vapor com a mesma quantidade de bagaço. E o movimento é tão forte que também atinge antigas usinas, que já procuram remodernizar seu parque fabril. Além disso, há ações quanto a estocagem do bagaço, o que na prática eliminaria a sazonalidade e daria mais garantia de geração ao longo de todo o ano.

Silvestrin lembra que a sazonalidade da safra não é um problema. "O pico da produção de cana coincide com o período de seca das hidrelétricas. As usinas entregam um volume maior de energia durante a safra [maio a dezembro] e o sistema complementa durante a entressafra [janeiro a abril]", diz.

Um bom exemplo é a Crystalsev. Empresa que negocia a produção de açúcar e álcool de nove usinas paulistas, a Crystalsev afirma que vai investir R$ 500 milhões para aumentar a sua geração de energia a partir do bagaço em mais 500 MW nos próximos cinco anos.

Atualmente, a Crystalsev já negocia seu excedente, que é de 130 MW, volume suficiente para abastecer uma cidade como São José do Rio Preto (SP), com cerca de 400 mil habitantes, diz Celso Zanatto, gerente de comercialização de energia da empresa. Tanto é assim que a companhia negocia sua energia diretamente com os consumidores desde janeiro. "Temos um contrato de abastecimento de dois anos com a unidade de Jacareí (SP) da Rhodia", exemplifica.