Título: Desconhecida, Amazônia é maior reserva hídrica
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2007, Brasil, p. A3

Os obstáculos que travaram o licenciamento das usinas hidrelétricas do Rio Madeira têm tudo para surgir novamente caso não se corrija um problema estrutural: a falta de conhecimento e de informações físicas, biológicas e até socioeconômicas da Amazônia. É na região Norte que se concentra 64% do potencial de energia hídrica ainda inexplorado do país, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mas falta a ela um banco de dados ambientais adequado, diz Cláudio Langone, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente.

Com o reduzido potencial de expansão nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, os especialistas não têm mais dúvidas de que, se quiser expandir a oferta de energia com base em uma matriz limpa e renovável, o país terá que enfrentar o desafio de construir usinas na Amazônia. Nesse contexto, o complexo do Madeira pode ser visto como somente o primeiro de uma série de licenciamentos ambientais igualmente complexos e polêmicos. "No processo de licenciamento do Madeira, ficou evidente a necessidade de aprimoramento das informações", afirma o ex-secretário, que deixou o cargo em abril. "O conhecimento acumulado sobre a região amazônica é fruto, principalmente, de projetos pontuais."

Um exemplo: os estudos mais confiáveis até hoje sobre espécies de peixes no Madeira foram produzidos pelo consórcio Furnas/Odebrecht, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas. Para identificar a dinâmica de migração e reprodução dos peixes, as pesquisas ocorreram em dois meses, dezembro e janeiro. Na falta de uma série histórica para analisar a diversidade de espécies e seus movimentos no rio, o ideal seria ter dados pelo menos para os períodos de chuvas e de seca na região, mas nem isso estava disponível, diz o ex-secretário. "O problema é que, freqüentemente, os empreendedores precisam sair do zero para fazer o EIA-Rima."

Para ele, é recomendável investir uma parcela dos royalties pagos pelas hidrelétricas para investir em produção de conhecimento por instituições que atuam na região, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o museu paraense Emílio Goeldi. "Isso pode reduzir muito o custo do licenciamento e a insegurança dos técnicos para assinar pareceres."

Um dos mais bem-sucedidos programas de investigação científica na Amazônia, o Provárzea, era financiado com verbas de cooperação internacional. Chegou a ser eleito uma das sete melhores experiências de gestão ambiental do continente, mas foi paralisado porque o convênio acabou e os recursos secaram. A situação torna-se especialmente preocupante quando se leva em conta que só 9% do potencial hidrelétrico do Norte foi explorado até hoje.

O novo diretor de licenciamento do Ibama, Roberto Messias Franco, concorda que faltam recursos e diz que, na Amazônia, estima-se em 50% a quantidade de espécies de fauna e flora que jamais foram catalogadas. "Nos anos 70, quando comecei a trabalhar na área ambiental, não havia nem levantamentos topográficos da região. Mas ainda existem vazios de informação enormes", avalia.

Cerca de 25% da região amazônica é formada por terras indígenas e outros 16% são unidades de conservação federal - com restrições especialmente complicadas ao licenciamento. Diferentemente do que ocorreu no Sul e Sudeste, as futuras usinas hidrelétricas da Amazônia aproveitam a força dos rios, e não enormes quedas d'água. Por isso, aposta-se no uso de turbinas bulbo, que aproveitam essa vazão maior e permitem a construção de reservatórios menores.

Langone afirma que a tendência para os futuros empreendimentos da região Norte, daqui em diante, é o licenciamento conjunto das usinas propriamente ditas e das linhas de transmissão. Uma solução foi encontrada na construção do gasoduto Coari-Manaus: foram abertas pequenas vias, no meio da floresta, para colocação dos dutos por helicóptero. A estratégia, no entanto, não pode se reproduzida para as linhas de transmissão, acrescenta Langone.