Título: Bancos ampliam financiamento imobiliário para a baixa renda
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 11/07/2007, Finanças, p. C1

Enquanto o mercado mundial se ressente dos problemas do crédito hipotecário americano de segunda linha, conhecido como subprime, os bancos brasileiros começam a olhar com mais atenção para os financiamentos de imóveis de baixa renda. Esse apetite é fruto de uma demanda reprimida formada por um déficit habitacional estimado em oito milhões pela Fundação Getúlio Vargas, com 96% na faixa de pessoas que ganham menos de cinco salários mínimos. Além disso, as construtoras começam a desenvolver projetos específicos para essa fatia de mercado.

O grande problema para acessar esse segmento ainda é a necessidade de subsídios. Segundo a superintendente da Caixa Econômica Federal, a principal instituição nessa modalidade, Vera Lúcia Martins Vianna, do total de pessoas que compõem o déficit, cerca de 45% não teriam possibilidades de pegar crédito tradicional por não ser bancarizada ou por não conseguir comprovação de renda. De fato, dos recursos a serem liberados pela Caixa neste ano para financiar 600 mil habitações, 60 mil serão subsidiados a fundo perdido.

Os grandes bancos começam, então, a criar mecanismos para facilitar a concessão. O Bradesco, por exemplo, ampliou o prazo máximo de empréstimo de 20 anos para 25 anos. Dessa forma, "a parcela fica menor e passa a caber no bolso do mutuário", explica o diretor-executivo do banco, Ademir Cossiello.

Já no Itaú, a inadimplência, que historicamente é um problema desse segmento, vem caindo e não assusta mais, diz o diretor da instituição, Luiz Antonio França. Segundo ele, apesar de as taxas, na média, estarem acima de 22% para o sistema, os novos contratos já apresentam patamares bem menores. "As perdas reais dos contratos deste ano estão em 0,6%", comemora.

As instituições de menor porte, com amplo conhecimento desse segmento, também se preparam para oferecer produtos para as classes mais baixas. O Banco Panamericano está estruturando uma área para concessão de crédito imobiliário, atraído pela segurança de uma garantia real, explica o diretor do banco Roberto Rigotto.

Já a Brazilian Mortgages, uma das líderes no mercado de securitização, lançou recentemente uma linha nos moldes da segunda hipoteca americana, quando o cliente pode usar o imóvel como garantia para financiar uma nova casa. "Antes, as construtoras faziam permutas para a troca do imóvel, mas isso não é mais possível devido ao crescimento da oferta de novas unidades", explica o diretor da companhia, Elyseu Mardegan.

Ainda no segmento de mais baixa renda, a BV Financeira tem financiamentos para material de construção, além do próprio Banco Votorantim, que estrutura área para realizar empréstimos para construtoras. O diretor do Bradesco ressalta, no entanto, que a oferta de crédito ainda é restrita por falta de oferta de novas unidades por parte das construtoras. "Não há imóvel abaixo de R$ 50 mil", diz.

De fato, as construtoras ainda têm um foco muito forte em segmentos de classe média, mas esse perfil está mudando, revela estudo da agência de risco Fitch Ratings. Segundo o analista José Roberto Romero, "as previsões para 2007 apontam para uma substancial retomada de projetos residenciais para as classes de renda média e média baixa, ganhando espaço no mix de receitas".

Com esses problemas ainda não totalmente resolvidos, os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), repassados pela Caixa, continuam a liderar os empréstimos para os mais pobres. Os subsídios do fundo para este setor, que no ano passado superaram os R$ 1,8 bilhão, já atingiram R$ 1 bilhão até maio, de uma previsão inicial de R$ 1,2 bilhão e que deve ser elevada para pelo menos repetir 2006.

Essa opção foi adotada em países com México e Chile, lembra o professor da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Garcia, responsável por um amplo trabalho sobre o crédito no setor. Ele estima que seriam necessárias quase 1,6 milhão de novas moradias por ano, cerca de um milhão para reduzir o déficit e o restante para a demanda incremental. "As famílias de mais baixa renda precisam de subsídios para se aproximar do sonho da casa própria."

A superintendente da Caixa explica que os problemas para concessão de crédito, como a dificuldade para avaliar os clientes, são resolvidos de diversas formas. "Quase 50% das análises de crédito são feitas usando métodos alternativos, como a avaliação do pagamento de contas de celular, por exemplo." Outra saída foi a introdução do sistema de arrendamento. Recentemente, o Conselho do FGTS decidiu ampliar de três para até seis salários mínimos, equivalente a R$ 2.280, o limite para sacar os recursos para compra da casa própria.