Título: Venda à UE ganha impulso com euro forte
Autor: Lamucci, Sergio e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Brasil, p. A7

As exportações brasileiras para a União Européia (UE) mostram fôlego expressivo neste ano, impulsionadas pela forte demanda dos países do bloco por commodities e pela quase estabilidade na paridade do real em relação ao euro. No primeiro semestre, as vendas externas para a UE aumentaram 32,2% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo US$ 18,2 bilhões, o equivalente a um quarto das vendas externas do país no período. Empresas brasileiras vêem nesse mercado uma forma de amenizar as perdas trazidas pelo dólar fraco.

O ritmo apresentado pelas vendas aos países europeus é bem superior ao crescimento verificado nas exportações para os Estados Unidos, que tiveram expansão de 6,7% de janeiro a junho, e bem próximo da alta das vendas para a China, de 34,3%. Na média, o Brasil exportou 20% mais neste primeiro semestre.

Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, as características da pauta da exportação brasileira para o bloco europeu explicam grande desempenho das vendas para o bloco: "A Europa é uma grande compradora de commodities, e os preços de muitos desses produtos seguem em alta."

Minério de ferro, café, soja e suco de laranja são alguns dos principais produtos brasileiros comprados por países como Holanda, Alemanha, França, Bélgica e Itália. "De janeiro a maio, os dez principais produtos brasileiros importados pela Holanda são commodities", exemplifica ele, referindo-se ao quarto principal destino das vendas do país.

O Brasil, porém, também vende manufaturados para a Europa e, nesse caso, o câmbio é um fator bem mais importante do que para quem vende commodities. Números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) mostram que, no acumulado em 12 meses até maio, o índice que mede a variação da taxa real de câmbio mostra uma desvalorização da moeda brasileira de 0,9% em relação à européia, descontando a inflação. Não é uma grande correção para o exportador, mas o movimento é inverso ao da relação com dólar, que continuou se apreciando (mais 5,3%) no mesmo período.

Para a economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, a maior competitividade do real em relação ao euro também ajuda a explicar o bom desempenho das exportações para a UE.

A fabricante de calçados Sândalo tem se beneficiado desse movimento. Depois de demitir todo o chão de fábrica e terceirizar a produção, a empresa de Franca, interior de São Paulo, agora mira o mercado europeu na tentativa de se reerguer. "Com essa taxa de câmbio ficou impossível exportar para os Estados Unidos. Acabamos por acelerar a busca de novos mercados, especialmente o europeu e o latino americano", conta Carlos Brigagão, diretor da empresa.

Atualmente, 8% da produção da Sândalo vai para países da Europa, com destaque para Alemanha e Espanha. Brigagão não sabe precisar, mas garante que no ano passado esse percentual era menor. Segundo o diretor, nesses mercados há um espaço maior para negociação e a correção de preços fica mais fácil. Além disso, Brigagão explica que nos Estados Unidos, os importadores desenvolviam um produto e contratavam a fabricação na empresa brasileira.

Os europeus trabalham de outra forma. Eles compram a modelagem idealizada pela Sândalo. E fazem mais pedidos, com menos quantidade. "Eles são mais ligados à moda, às tendências. Então, a cada coleção nova, é possível agregar valor aos produtos e corrigir os preços", conta o diretor. Hoje, a empresa não exporta mais para os Estados Unidos.

A participação do mercado europeu nas vendas externas da Movelar ainda é pequena, mas conquistar novos clientes no Velho Continente também é prioridade para a fabricante de móveis. Em setembro, a empresa participará de uma feira em Valência, na Espanha. Lá, Domingos Sávio Rigoni, presidente da Movelar, pretende lançar uma linha de móveis infantis e outra que tem a madeira reflorestada como matéria-prima.

Atualmente, a empresa exporta para países como Inglaterra, Polônia e Irlanda. "As vendas para esses países só não crescem mais por falta de empenho nosso. Mas queremos mudar isso, colocando um produto adequado a esse mercado e com preço competitivo", ressalta Rigoni.

Outra calçadista, a Aniger, também viu nos países da União Européia uma chance de amenizar as perdas causadas pela valorização cambial. A empresa, com matriz no Rio Grande do Sul e também uma fábrica no Ceará, lançou no ano passado um produto idealizado especialmente para esse mercado. É uma linha de sapatos femininos bastante sofisticados, que saem da fábrica com preços que variam entre US$ 40 e US$ 50. "É uma forma de agregar valor e tentar escapar da concorrência chinesa", conta Alan Ermel, diretor da empresa.

Agora, a Aniger vai colocar essa mesma linha no mercado doméstico. A idéia é, gradualmente, reduzir o peso das exportações no faturamento total da empresa. Hoje, 70% do que ela produz vai para fora do país. Além da Europa, a calçadista também vende para os Estados Unidos. "Está difícil exportar mesmo para os europeus. Temos que buscar o comprador brasileiro", diz Ermel.

O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luís Afonso Lima, aponta ainda outros fatores que explicam por que as vendas para a UE crescem mais do que as para os EUA. O primeiro é que, neste ano, a economia européia avança a um ritmo mais forte do que a americana. No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro cresceu 3% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o PIB dos EUA teve expansão de apenas 1,9% no período. "Com a economia da UE crescendo mais, aumentam as importações por parte dos países do bloco", diz Lima.

Ele lembra ainda que há muitas transações comerciais entre filiais e matrizes das empresas transnacionais. Como o estoque de investimento produtivo europeu no Brasil é maior que o americano, isso também contribui para o crescimento mais expressivo das vendas externas para a UE.

Para Castro, da AEB, a exportação de manufaturados brasileiros para a UE pode perder espaço nos próximos anos, devido à concorrência que será feita pelos países do Leste Europeu que entraram recentemente no bloco e gozam das vantagens do mercado comum. Com isso, o Brasil tenderá a vender cada vez mais commodities para a UE, avalia.