Título: Câmbio: qual é o real objetivo do Banco Central?
Autor: Loureiro, Guilherme e Jensen, Juan
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Brasil, p. A14

As atuações do Banco Central no mercado cambial têm dividido opiniões. Por um lado, há os que argumentam que a intenção do BC é elevar o patamar das reservas internacionais, para reduzir a vulnerabilidade externa e diminuir a volatilidade do real e, por conseqüência, da política monetária. Por outro lado, há os que dizem que o objetivo é simplesmente definir um patamar para a cotação da taxa de câmbio. A mensuração precisa de um patamar ótimo para as reservas internacionais - isto é, o patamar que iguala o benefício marginal ao custo marginal de novas compras de dólares pela autoridade monetária - permite responder objetivamente qual a intenção do Banco Central e diminuir as divergências entre os analistas do mercado.

Em estudo recente do FMI, Jeanne e Rancière estimam o patamar ótimo das reservas internacionais a partir do (a) custo, em termos de uma queda do PIB real, de uma eventual crise de financiamento externo e (b) do grau de aversão ao risco do BC a variações no produto. Em outras palavras, o artigo estabelece que a função objetivo do BC, no que concerne às compras de dólares no mercado à vista, é minimizar a volatilidade do PIB. O custo médio de uma crise de financiamento é obtido por meio de calibragem dos custos de crises anteriores, sendo uma crise definida como uma queda superior a cinco pontos porcentuais, em porcentagem do PIB da conta capital e financeira.

Os impactos de uma crise na absorção doméstica, por sua vez, são obtidos por meio da combinação da equação da demanda agregada com a de equilíbrio do balanço de pagamentos, que permite a obtenção de uma fórmula para a absorção doméstica como uma função da variação de reservas internacionais. De forma geral, a equação permite inferir que (a) um aumento/queda das reservas internacionais reduz/aumenta a absorção doméstica, (b) um aumento/queda do fluxo de capitais externos aumenta/diminui a absorção doméstica e (c) um aumento/queda do produto potencial eleva/reduz a absorção doméstica.

Partindo de um grau médio de aversão ao risco do BC a variações do produto, o estudo conclui que o nível ótimo de reservas internacionais é, para uma economia emergente média, cerca de 10% do PIB. No caso específico do Brasil, já com as revisões realizadas pelo IBGE no PIB, isso equivaleria à US$ 106 bilhões ao final de 2006, quando as reservas estavam em US$ 86 bilhões. Dadas as fortes compras no início deste ano, a patamar atual está acima de US$ 130 bilhões, portanto, já estaria acima desse nível ótimo.

A conclusão mais interessante do estudo, entretanto, não é essa, mas a de que, na hipótese de o grau de aversão do BC ser máximo, as reservas devem ser igual à dívida externa de curto prazo. É verdade que a definição de curto prazo é subjetiva, mas significa o prazo em que um país não conseguiria se financiar externamente. Em outras palavras, no limite, o patamar máximo das reservas seria a dívida externa total, que está atualmente em US$ 176 bilhões, excluindo os empréstimos intercompanhia. Sob a premissa de que uma crise de financiamento poderia durar cinco anos, o patamar seria cerca de US$ 107 bilhões.

-------------------------------------------------------------------------------- Para um dado patamar de dívida externa, o Brasil tem um nível de reservas abaixo da média de muitos países emergentes --------------------------------------------------------------------------------

Apesar de o estudo estar sujeito a algumas críticas - como, por exemplo, que (a) os juros mais altos no Brasil elevam os custos de compra de dólares e, portanto, reduzem o nível ótimo das reservas em relação às demais economias emergentes e (b) o modelo desconsidera o ajuste em preço para equilibrar as quantidades demandadas e ofertadas, isto é, o efeito no câmbio de uma crise de financiamento -, ele é um dos primeiros trabalhos a mensurar de forma mais precisa os benefícios e custos das reservas internacionais. Até o momento, diversos estudos forneciam boas estimativas para o custo de se ter reservas, mas o cálculo do benefício ficava aquém do esperado. Com isso, a estimativa do patamar ótimo também ficava comprometida.

Fugindo do rigor do modelo e atentando mais para as comparações internacionais, constatamos que, para um dado patamar de dívida externa, o Brasil ainda tem um nível de reservas abaixo da média dos principais países emergentes. Tal conclusão, porém, não é verdade se excluirmos os países asiáticos, que, em virtude de uma política econômica diferenciada, isto é, voltada para exportação, são obrigados a manter o câmbio depreciado artificialmente por meio de compras de dólares.

Enquanto a razão Reservas Internacionais/Dívida Externa é de 0,74 no Brasil, a média dos países emergentes é de 0,78. Excluindo os asiáticos, a razão média diminui para 0,57, o que coloca o Brasil numa posição acima da média. Nos extremos, destacam-se Taiwan e Tailândia com as razões mais elevadas de 4,62 e 1,26, respectivamente, e Argentina e Polônia, com as razões mais baixas de 0,23 e 0,31, nesta ordem.

Há ainda uma ressalva em relação à medida de reservas internacionais no Brasil, pois ela desconsidera as compras, para pagamento dos serviços da dívida, que o Tesouro Nacional efetuou via Banco do Brasil e o estoque líquido de "swaps" cambiais. Embora o volume das compras de dólares efetuado pelo Tesouro Nacional seja incerta, atualmente o estoque líquido de "swaps" próximo a US$ 20 bilhões, com o BC ativo em dólares e passivo em juros. Ou seja, na prática, a vulnerabilidade externa do Brasil é inferior à apontada pelos números acima.

Em resumo, à luz das comparações internacionais e do modelo que estima o patamar ótimo das reservas internacionais é possível amenizar o argumento de que as atuações do BC no mercado cambial têm por finalidade alterar a tendência da cotação da taxa de câmbio. Vale mencionar, porém, que tanto o custo marginal de comprar reservas está aumentando, como o benefício marginal está diminuindo. Assim, é possível entender a atuação passada do BC no mercado cambial. Mas, dado o atual patamar de reservas, esta atuação fica cada vez menos justificável daqui em diante.

Guilherme Loureiro é economista da área Macro da Tendências Consultoria Integrada.

Juan Jensen é economista, Chefe da mesa Macro da Tendências Consultoria Integrada e professor do Ibmec-SP.