Título: A grande moderação
Autor: DeLong, J. Bradford
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Opinião, p. A15

Já se passaram 20 anos desde que Alan Greenspan tornou-se presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA). A partir de então, aconteceu o mais rápido crescimento mundial da renda média em quaisquer gerações, bem como ocorreram excepcionalmente poucos surtos de desemprego em massa - causando deflação ou inflação destruidora de riqueza. Somente a década e meia perdida pelo Japão e as adversidades da transição do comunismo contam como verdadeiras catástrofes macroeconômicas de uma magnitude que foi depressivamente comum em décadas anteriores.

Essa "grande moderação" não foi prevista quando Alan Greenspan assumiu seu cargo no Fed. A política fiscal americana era, então, totalmente insana - muito mais do que hoje.

A Índia parecia atolada em estagnação. A China crescia, mas os padrões medianos de nível de vida não eram nitidamente superiores aos verificados durante os denominados "anos dourados" da China, no início da década de 1950, depois da redistribuição de terras e antes da coletivização forçada que levou o campesinato à servidão. O desemprego na Europa tinha recém-dado outro grande salto para a frente, e os países "socialistas" eram tão incompatíveis com um desenvolvimento econômico racional, que seus sistemas políticos entrariam em colapso num prazo de dois anos. A América Latina estava empacada em sua própria década perdida, depois da crise de endividamento no início da década de 1980.

Naturalmente, os anos desde 1987 não foram imunes a grandes choques macroeconômicos. Por razões técnicas, o mercado acionário americano despencou no outono (hemisfério norte) daquele ano. A invasão do Kuwait por Saddam Hussein em 1991 abalou o mercado petrolífero mundial. O mecanismo de câmbio fixo europeu foi ao colapso em 1992. O resto da década foi pontuado pela crise do peso mexicano de 1994, pela crise de 1997-98 no Leste Asiático e pelos problemas no Brasil, Argentina, Turquia e outros países, e o novo milênio começou com o colapso da bolha no setor de internet em 2000 e com as conseqüências econômicas dos ataques terroristas no 11 de setembro de 2001.

Além disso, os atuais desequilíbrios mundiais e os desalinhamentos nas taxas de câmbio real ameaçam produzir não apenas recessão branda, mas, sim, substancial e prolongada depressão. No entanto, até agora, nenhum desses eventos - à exceção feita ao Japão, a partir do início da década de 1990, e aos insucessos da transição nos países a leste da Polônia - causou uma crise prolongada.

Os economistas oferecem três razões para explicar por que as catástrofes macroeconômicas não causaram mais sofrimento humano - e crescimento econômico insano desordenado no longo prazo - durante a geração passada. Em primeiro lugar, alguns economistas argumentam que simplesmente tivemos sorte, porque não houve qualquer mudança estrutural que tornasse a economia mundial mais resiliente. Segundo essa visão, o que simplesmente fizemos foi lançar os dados e ganhar cinco vezes consecutivas. Deveríamos ficar felizes e agradecidos, mas não deveríamos esperar que isso persista.

-------------------------------------------------------------------------------- Hoje, o capital especulativo nos mercados assume uma visão de longo prazo, onde os preços dos ativos são expectativas racionais de valores futuros descontados --------------------------------------------------------------------------------

Em segundo lugar, as autoridades dos bancos centrais finalmente aprenderam como fazer seu trabalho. Antes de 1985, segundo essa teoria, os bancos centrais mudavam seus objetivos de um ano para outro. Num ano, podiam tentar controlar a inflação, quando no ano anterior haviam buscado reduzir o desemprego, e num ano seguinte podiam tentar baixar os custos do refinanciamento da dívida pública, e mais um ano depois, podiam preocupar-se em manter o câmbio em determinado valor preferido por seus patrões políticos.

A inexistência de um processo de tomada de decisões de longo alcance por parte dos bancos centrais implicou que essa política econômica andasse cambaleando - anda, pára, acelera e assim por diante. Quando somada aos choques normais que afligem a economia mundial, essa fonte de volatilidade desestabilizadora criou o mundo instável anterior a 1987 que levou muitos a se perguntar por que alguém como Alan Greenspan - que havia anteriormente passado apenas alguns anos no governo - iria querer o comando do Fed.

A explicação final é que os mercados financeiros acalmaram-se. Atualmente, o capital especulativo nos mercados financeiros assume uma visão de longo prazo segundo a qual os preços dos ativos são, predominantemente, expectativas racionais de valores fundamentais futuros descontados. Antes de 1985, em contraste, os mercados financeiros eram avassaladoramente dominados pelo comportamento de manada de traders focados no curto prazo, gente que não procurava identificar fundamentos, mas sim prever o que a opinião média acreditaria que a opinião média faria, e fazê-lo antes que a opinião média o previsse. Assim, os bancos centrais ficavam aprisionados em tentativas de controlar uma economia mundial abalada por mudanças aleatórias no espírito animal de investidores e traders.

Quando analiso essas questões, não vejo evidências a favor da primeira teoria. Nossa sorte não foi boa a partir de 1985. Ao contrário, considero que nossa sorte - mensurada pela magnitude dos choques sobre o setor privado e outros impactos adversos que atingiram a economia mundial - foi, na verdade, relativamente má.

Tampouco vejo qualquer evidência em favor da terceira explicação. Seria bom se nossos mercados financeiros fossem mais racionais do que em gerações anteriores. Mas não vejo quaisquer mudanças institucionais que tenham produzido tal efeito.

Assim, meu palpite é que faríamos bem em apostar na teoria segundo a qual nossos bancos centrais são hoje mais hábeis, têm visão de maior alcance e são menos tendentes seja a pular de galho em galho na floresta do curto prazo, ou serem empurrados para cá e para lá por seus patrões políticos que, imprevisivelmente, mudam os objetivos que deveriam perseguir ano após ano. Desejo longa vida a esse estado de coisas.

J. Bradford DeLong é professor de economia na Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-vice-secretário do Tesouro dos EUA.