Título: Rolagem de dívidas já custa R$ 10,4 bilhões em 10 anos
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Agronegócios, p. B12

No momento em que o governo negocia os termos de uma nova rolagem de dívidas rurais, estimadas em R$ 59 bilhões, um levantamento inédito do Tesouro Nacional revela, pela primeira vez, o custo financeiro dos refinanciamentos realizados pela União a partir de 1995.

Guardados a sete chaves no Ministério da Fazenda, os dados oficiais a que o Valor teve acesso geram muito desconforto ao governo porque mostram uma elevação gradual das despesas com essas renegociações ao longo da última década. Mais completo do que os números disponíveis no sistema de acompanhamento de gastos federais (Siafi), o estudo também indica que o custo dessas rolagens tem restringido a elevação dos gastos públicos com subsídios e subvenções à política agrícola do governo. O trabalho indica, ainda, uma projeção de despesas da União com as dívidas em 2007.

O levantamento, consolidado pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, revela que os gastos totais da União para apoiar a agropecuária na última década somaram R$ 26,76 bilhões.

As despesas, que beneficiam desde assentados da reforma agrária até grandes produtores, são dividas em duas contas: dívidas e subsídios. De 1997 a 2006, os subsídios pagos aos produtores somaram R$ 16,33 bilhões. São gastos com equalização de juros e concessão de empréstimos ao custeio agropecuário, programas de investimento, instrumentos de comercialização da safra, subsídios ao Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) e aquisição de terras para a reforma agrária.

O estudo revela que as sucessivas rolagens de dívida custaram aos cofres públicos R$ 10,43 bilhões ao longo da última década. Além disso, o trabalho projeta um desembolso de R$ 1,37 bilhão para 2007 - sem contar o custo da nova renegociação das dívidas.

A análise dos custos mostra que as rolagens das dívidas rurais respondem, em média, por quase metade da conta dos subsídios. "A redução do espaço para aumentar o apoio federal às políticas agrícolas é o principal problema do custo de carregamento das dívidas pela União", diz o pesquisador José Garcia Gasques, coordenador-geral de Planejamento Estratégico do Ministério da Agricultura.

No levantamento dos gastos do Tesouro Nacional, é possível constatar o crescimento gradual dos gastos com os dois principais programas de refinanciamento das dívidas rurais. Lançado em 1995 para rolar dívidas de até R$ 200 mil de médios produtores, o programa de securitização gerou um gasto de R$ 8,5 bilhões aos cofres da União desde 2001. Os gastos passaram de R$ 1,1 bilhão, em 2001, para R$ 2,7 bilhões em 2005. No programa de saneamento de ativos (Pesa), criado para alongar débitos acima de R$ 200 mil, a União absorveu R$ 1,93 bilhão entre 2000 e 2006. Iniciado com R$ 11,3 milhões, o Pesa chegou a custar R$ 1,13 bilhão em 2005.

Especialista no endividamento rural e liderança influente na bancada ruralista, o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS) defende as rolagens enquanto não houver uma "solução definitiva" para a questão. "Se tivemos R$ 24 bilhões de receita a menos em três anos, alguma solução tem que sair. O que os produtores podem fazer? Porque o governo não dá mais dinheiro para o seguro rural? Porque não reduz o custo dos insumos que oneram o produtor?", diz. E emenda: "Não tenho mais paciência para discutir renegociação de dívidas, mas dependemos de uma solução estrutural". Heinze contesta os dados e diz que, segundo o Siafi, a União teve um custo de R$ 613 milhões com as rolagens em 2006. O estudo indica R$ 896 milhões.

Na conta dos subsídios, o levantamento do Tesouro Nacional revela que a agricultura familiar (Pronaf) custou, sozinha, R$ 5,95 bilhões aos cofres públicos desde 1997. Na chamada agricultura empresarial, a equalização dos juros de financiamentos de custeio levaram a despesas totais de R$ 2,12 bilhões em dez anos. Os programas de investimento custaram R$ 1,62 bilhão e o apoio à comercialização das safras, por meio de diversos instrumentos de política agrícola, ficaram com mais R$ 4,83 bilhões.

Pesquisador do IPEA, o professor Gervásio Castro de Rezende tem defendido o fim dos subsídios ao financiamento de programas de investimento ao setor como forma de evitar novas crises, como a iniciada em 2004. "A agricultura endividou-se excessivamente, e com o beneplácito do governo, na fase de bonança entre 1999 e 2004. Isso não só contribuiu para a eclosão da crise, que não se deve apenas ao câmbio, mas vai dificultar sua superação", prevê.

Segundo ele, o Estado tem que "parar de financiar" as vendas de máquinas vinculadas a bancos de montadoras. "É preciso privatizar a agricultura, fazer uma reforma radical. Isso tem que passar a ser financiado pelo setor privado, sem recursos do FAT, que é dinheiro de imposto, do PIS-Pasep. É uma montanha de dinheiro que vicia a agricultura", afirma.