Título: Justiças do Brasil e EUA enterram ações contra indústria do tabaco
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2007, Legislação & Tributos, p. E1

Se fossem o cigarro contra o qual tanto ex-fumantes quanto suas famílias lutam, as ações judiciais com pedidos vultosos de indenizações estariam próximas de se tornarem apenas meras "guimbas". Ao longo do tempo os processos foram sendo praticamente eliminados pelos tribunais de segunda instância e, aos poucos, pelos superiores, nos casos em que as ações conseguiram chegar até eles. Por enquanto, das ações judiciais que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), apenas questões processuais, como prazos de prescrição, foram discutidas, e nunca o mérito dos pedidos - ou seja, ainda é possível que o entendimento contrários dos Tribunais de Justiça (TJs) nos processos seja revertido na corte. Mas o rumo seguido por vários processos de ex-fumantes no Poder Judiciário - tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos - demonstra que a reversão do quadro se tornou mais difícil - a despeito do grande alarde feito em torno das milionárias indenizações concedidas pela primeira instância da Justiça. Poucas delas se mantiveram após os recursos judiciais e financeiros com os quais a indústria tabagista pode arcar para derrubar a tese de que as doenças pulmonares de fumantes estão necessariamente relacionadas ao consumo do cigarro.

O último suspiro da briga de ex-fumantes brasileiros contra a indústria do tabaco foi sufocado recentemente no Tribunal de Justiça do Estado americano de Delaware, onde algumas das fabricantes de cigarros têm sede. A corte rejeitou uma ação do Estado de São Paulo contra várias dessas empresas pela qual o governo paulista tentava obter uma indenização na Justiça americana para cobrir os gastos de sua rede de saúde pública com o tratamento dos consumidores de cigarros. Assim como São Paulo, os Estados do Tocantins, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul e Piauí, além de 13 municípios, também se aventuraram na estratégia jurídica, com o argumento de que os lucros provenientes da venda de cigarros no Brasil são remetidos para os Estados Unidos, mas os gastos dos governos com o tratamento das doenças decorrentes do fumo ficam por aqui. A motivação era a expectativa de melhores resultados nas cortes americanas, mais afeitas aos apelos da mídia e às pressões populares.

Da mesma forma que outros Estados brasileiros, a primeira tentativa do governo paulista, assessorado pelos escritórios de advocacia St. Martin & Williams, Fowler Rodriguez & Chalos e Fayard & Honeycutt, foi na Corte da Louisiana - tribunal que tradicionalmente decidia de modo favorável aos ex-fumantes - em 1997. Na defesa, os fabricantes de cigarro alegaram que os autores das ações deveriam ingressar na Justiça Federal americana, conta Eduardo Tess, do escritório Tess Advogados, que representou o Estado de São Paulo junto aos escritórios estrangeiros. O argumento para escolher a Louisiana era o fato de as empresas terem ativos naquele Estado para pagar as indenizações. Mas a indústria utilizou a doutrina do "forum non conveniens" - "foro de não-conveniência" - com a alegação de que a jurisdição escolhida pelo autor da ação não é conveniente, porque os fatos e eventuais danos não ocorreram nele, mas outro foro, no caso o Brasil. Mesmo assim, os Estados brasileiros insistiram na tese com a tentativa de levar o caso à Corte de Delaware, onde o mesmo argumento da não-conveniência foi utilizado e acatado. O mérito das ações nem chegou a ser analisado - e esta foi a última cartada dos processos de Estados e municípios brasileiros fora do país.

Eduardo Tess diz que, no caso das ações individuais, muitos ex-fumantes e seus familiares acreditavam que entrariam "com uma petição de três páginas" e as empresas correriam em busca de acordos, como aconteceu nos Estados Unidos. Mas em muitos casos as ações foram simplesmente abandonadas pelos seus autores em função do custo que representavam para os advogados, já que eles patrocinavam as causas por meio de contratos de risco, ou seja, sua remuneração viria a partir de um percentual da indenização obtida na Justiça, e não mediante o pagamento de honorários. E, diante da paulatina redução da probabilidade de vitórias na Justiça, o número de advogados dispostos a patrocinar estas causas, e conseqüentemente das ações judiciais, têm caído constantemente. Este tipo de processo teve início em 1995 e alcançou seu auge e 2001, quando foram propostas 96 ações contra as fabricantes de cigarro no Brasil. Já no ano passado, apenas 23 processos judiciais foram propostos por ex-fumantes e seus familiares contra as principais fabricantes de cigarro no país - Souza Cruz e Philip Morris. Em 2004, foram 61 ações, e em 2005, 57, conforme um levantamento feito pelo advogado Ubiratan Mattos, sócio do escritório Mattos, Muriel e Kestener Advogados, que defende a Philip Morris. E, até maio deste ano, ingressaram na Justiça apenas 11 novas ações, de acordo com um levantamento da Souza Cruz.

Além da queda no número de ações, a resposta do Judiciário a elas é cada vez mais favorável à indústria do tabaco. Segundo o gerente de contencioso da Souza Cruz, Antonio Claudio Tarré, somente no ano passado houve 32 decisões de TJs contrárias aos pedidos de indenização e 41 casos foram encerrados no país. Resta saber agora como os ministros do STJ se comportarão com a iminência do julgamento do mérito dos poucos casos que subiram à corte.